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Informação e análise
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Jabuti de ouro

Congresso e governo erraram e crime avançou no lobby do garimpo

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 14 abr 2023, 10h11 - Publicado em 14 abr 2023, 06h00

O governo estava em crise. Governada pelos fatos, Dilma Rousseff anunciava no café da manhã uma nova Constituinte, no almoço um trem-bala e, ao anoitecer, outra rodada de anistia às dívidas de produtores rurais.

Mandou ao Congresso uma Medida Provisória, com efeito imediato para a agricultura. O texto tinha onze artigos, mas recebeu 35 emendas da Câmara e do Senado sobre assuntos variados — como gás natural, fundos de investimentos e mineração. Foi aprovado em regime de urgência, sem debate e por consenso, naquele começo do inverno de 2013.

Todos estavam aturdidos na vertigem das jornadas iniciadas em junho, quando multidões atravessaram as ruas das maiores cidades protestando contra governo, Congresso e Judiciário. Nos palácios não se entendia, ou preferira-se não entender, a crise de legitimidade. Dessa ebulição coletiva resultou a liquefação política que ainda não foi resolvida.

Na sexta-feira 19 de julho, Dilma sancionou a mais nova lei (nº 12.844). Tinha 11 000 palavras e, entre outras coisas, liberava a compra, venda e transporte de ouro produzido em áreas de garimpo. Com apenas uma autodeclaração de honestidade, em papel, comerciantes de ouro ficaram livres de controles estatais em negócios no mercado mundial de commodities, interconectado pela internet. O lob­by de garimpeiros e empresas financeiras foi patrocinado pelas bancadas do PT e do MDB.

Entrou no Congresso como “emenda jabuti”, um tipo legislativo descrito com humor nos anos 70 pelo falecido senador maranhense Victorino Freire (“Se você vê um jabuti em cima da árvore, procure saber quem foi responsável. Como jabuti não sobe em árvore, foi enchente ou mão de gente.”). Saiu do Palácio do Planalto como “Lei da Boa-Fé”, num excesso de criatividade do marketing governamental.

Governo e Congresso erraram, e o país paga um alto preço por isso há dez anos. Esse jabuti de ouro abriu um filão para o crime organizado na lavagem de dinheiro em empresas financeiras. Provocou aumento significativo de violência em mais de 700 cidades garimpeiras da Amazônia. E deixou um rastro de degradação ambiental visível até para satélites em órbita terrestre.

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“Congresso e governo erraram e crime avançou no lobby do garimpo”

Os negócios ilícitos transformaram o Brasil num país garimpeiro. A área de mineração artesanal foi duplicada: avançou de 105 000 hectares para 196 000 hectares em dez anos. No governo Jair Bolsonaro ultrapassou a mineração industrial, estacionada em 170 000 hectares.

Desde 2013, as taxas de homicídio aumentaram (20%) nos municípios amazônicos com extração ilegal de ouro em terras públicas, ocupadas por indígenas ou reservadas à proteção ambiental. O mapeamento foi feito pelos pesquisadores Leila Pereira e Rafael Pucci, do Insper.

Nos últimos dois anos, abriu-­se uma investigação a cada doze horas sobre lavagem de dinheiro associada a negócios com ouro. Há 1 527 inquéritos em andamento na Polícia Federal.

Os processos judiciais retratam empreitadas obscuras e bilionárias. Dias atrás, o juiz Gilson Vieira Filho, da 4ª Vara Criminal do Pará, mandou prender intermediários de ouro.

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Uma das empresas, Amazônia Comércio, supostamente exportou 9,6 toneladas em 53 meses — média de 45 quilos de ouro por semana. Movimentou 2,1 bilhões de reais entre outubro de 2010 e março de 2021.

Outra empresa, a Pena & Mello Ltda., teria exportado 2,3 toneladas — média de 42 quilos por semana. Comprava ouro de outras empresas usando “notas fiscais com dados falsos”, segundo a Justiça. Em catorze meses, obteve 693,5 milhões de reais “de origem suspeita”.

Na semana passada, o Partido Verde conseguiu travar o florescente mercado ilegal de ouro no Supremo Tribunal Federal. A “Lei da Boa-Fé”, que liberava o comércio e incentivava a cegueira deliberada na receptação pelas distribuidoras de títulos e valores mobiliários, acabou suspensa pelo juiz Gilmar Mendes. Ele reconheceu: “É preciso que esse consórcio espúrio, formado entre garimpo ilegal e organizações criminosas, seja o quanto antes paralisado”.

Um vislumbre dos efeitos na selva está no massacre de ianomâmis, em Roraima, estimulado pela contínua leniência do governo Bolsonaro. A área garimpada em terras indígenas aumentou 625%, informa o instituto MapBiomas.

O jabuti de ouro deu ao Brasil uma década de perdas. Indescritíveis.

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Publicado em VEJA de 19 de abril de 2023, edição nº 2837

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