O Vaticano começa a julgar amanhã o cardeal italiano Angelo Becciu, que até setembro do ano passado foi vice-secretário de Estado, o terceiro homem mais poderoso na hierarquia da Igreja Católica.
O cardeal e uma dezena de pessoas estarão no banco dos réus sob acusação de corrupção, roubo e abuso de autoridade.
Oito anos atrás, eles fizeram a Santa Sé a pagar o equivalente a R$ 1,6 bilhão (260 milhões de euros) por um prédio de 17 mil metros quadrados em Chelsea, um elegante bairro de Londres. Valia menos da metade.
O negócio levou a um considerável endividamento da igreja com o banco Credit Suisse. O superfaturamento na compra do edifício ocorreu numa série de obscuras operações financeiras que resultaram em perdas significativas para o Vaticano. Para tapar o rombo, o Papa Francisco foi obrigado a sacar recursos até dos fundos de caridade.
Becciu foi uma das figuras mais importantes do Vaticano nas últimas duas décadas. Trabalhou na assessoria pessoal dos papas João Paulo IIº, Bento XVI e Francisco.
Nas investigações das atividades do cardeal emergiram outras coisas estranhas, como o caso de uma mulher de 40 anos regiamente paga para, supostamente, atuar como espiã da Santa Sé em sequestros de religiosos.
Em setembro do ano passado, Francisco recebeu o processo, mandou demitir o cardeal, que ficou detido, e centralizou a gestão do patrimônio imobiliário do Vaticano num único organismo, a Amministrazione del Patrimonio della Sede Apostolica (APSA).
Ontem, a administradora patrimonial da Santa Sé divulgou um balanço dos negócios mantidos nos mercados imobiliários da Itália, Inglaterra, França e Suíça. É a primeira peça do gênero na história da Igreja Católica.
Nele, o Vaticano aparece como dono de 4.051 propriedades na Itália (92% na província de Roma) e outros 1.200 imóveis em Londres, Paris, Genebra e Lausanne. Nessa conta não entram as sedes das embaixadas em 190 países.
A dimensão do patrimônio imobiliário da Igreja Católica em todo mundo ainda permanece em segredo, como no caso do Brasil. Mas a publicação (clique aqui para obter uma cópia, em italiano) sinaliza avanço na disposição de dar transparência às finanças de uma instituição com 2021 anos de existência.
Prestar contas se tornou fundamental, admitiu ontem o presidente da APSA, Nunzio Galantino, à agência Vatican News: “A publicação do balanço é um sinal de respeito por todos aqueles que, com confiança e generosidade, colocaram e continuam a colocar parte dos seus recursos nas mãos da Igreja”.