Governo e oposição perderam a bússola na crise
Reação dos candidatos tem se resumido à perplexidade com a crise, que deixa em risco a maioria pobre e já em situação de "insegurança alimentar"
Aconteceu o impensável: uma guerra na Europa resultou em choque global de preços de energia, metais e alimentos.
O terremoto geopolítico começou há dezessete dias num ambiente de desordem planetária derivada da pandemia, que ainda nem foi vencida.
No Brasil, a sete meses das eleições gerais, a reação dos candidatos presidenciais e dos respectivos partidos tem se resumido à perplexidade.
Governo e oposição perderam a bússola na crise. Atônitos, indicam não ter percebido ainda que o mundo mudou.
Se mantêm reféns de ideias formatadas para o país pré-pandemia, mas inócuas nesse novo cenário de guerra econômica global e de confronto militar geograficamente restrito.
Candidatos presidenciais se deixaram aprisionar no debate sobre os preços do petróleo.
Na discussão, abstraíram o fato de que já estava em alta muito antes da invasão da Ucrânia. Saltou da faixa de 30 dólares por barril em maio de 2020 para 60 dólares em abril do ano passado. Subiu para 80 dólares em agosto e chegou a 139 dólares no domingo passado.
Jair Bolsonaro, Lula, Ciro Gomes e Sergio Moro, os mais destacados nas pesquisas eleitorais, atravessaram a semana dedicados à desconstrução da imagem da maior empresa do país, a Petrobras, emoldurando-a no papel de grande vilã da crise.
Deixaram à margem pelo menos três fatos relevantes:
1) o Estado é o maior acionista (35% do capital) e principal beneficiário em impostos e lucros. Dos “absurdos”, como os candidatos qualificaram, R$ 100 bilhões de lucro pagos aos acionistas no ano passado, o governo embolsou R$ 40 bilhões;
2) A Petrobras é exportadora de petróleo. Vende pelo preço do mercado mundial, naturalmente. Também importa derivados pela cotação internacional, como outras três centenas de distribuidoras privadas. A dependência brasileira de gasolina, diesel e gás de cozinha importados tem origem no histórico bilionário de projetos fracassados para refinarias e navios;
3) O governo é o responsável pela indicação da ampla maioria dos executivos da “Petrobras Futebol Clube”, na qualificação depreciativa de Bolsonaro, ontem, ao queixando-se de que a empresa “não tem qualquer sensibilidade com a população”.
Poderia ter sido explícito e dizer que gostaria de repetir a política de congelamento de preços de combustíveis aplicada pelos adversários — aquela que ele tanto criticou durante a campanha de 2018, cujo resultado prático foi um rombo (cerca de R$ 200 bilhões) nas contas da empresa.
Esse tipo de discussão contaminou o Congresso. É legítima e, na melhor hipótese, pode até levar a uma “refundação” da Petrobras, como sugere Lula em sua tentativa de obter a absolvição das urnas.
Revela, porém, as limitações dos candidatos e seus partidos em lidar com a dimensão da crise que está aí. Sua repercussão na vida das pessoas, das empresas e do Estado brasileiro vai muito além da aparente contradição entre os preços do petróleo exportado e os dos derivados importados para consumo doméstico.
O debate circunscrito à alta da gasolina, do diesel e do gás relega ao segundo plano o problema da comida na mesa das pessoas, com ou sem título de eleitor no bolso. E ele é central.
A guerra de Putin deflagrou aumento dos preços do trigo (49%) e do milho (13%), entre outros alimentos básicos. A desordem no horizonte, com provável escassez, contém riscos para um país com seis de cada dez habitantes em situação de “insegurança alimentar”. Eles têm dois terços do orçamento doméstico comprometidos pelos gastos com alimentação e energia.
O problema central está na pobreza disseminada, agora agravada pelas repercussões da guerra na Ucrânia.
Quando começar a contagem de votos, em outubro, o Brasil estará encerrando um ciclo de quatro décadas de estagnação social e econômica.