Funcionárias da Caixa abriram espaço para uma faxina ética
No banco estatal criou-se uma oportunidade para mudança do modelo de ambiguidades corporativas que prevalece nos setores público e privado
As funcionárias da Caixa Econômica Federal derrubaram o presidente e deixaram a hierarquia da empresa estatal exposta à suspeita de conivência em uma série de casos de abuso de poder, de assédio moral e sexual.
Em homenagem às 40 mil servidoras a nova presidente, Daniela Marques Consentino, deveria ir além de uma óbvia e necessária faxina ética nesse banco público.
Ali existe uma oportunidade para uma experiência de mudança do modelo de ambiguidades corporativas que prevalece nos setores público e privado — tema à margem da agenda legislativa e da campanha eleitoral.
A maioria das empresas exibe nas paredes dos escritórios e em páginas na internet um código de ética acompanhado de compêndios de normas e da lista de mecanismos internos para prevenção, detecção, correição e mitigação de riscos.
Como a premissa é a do zelo no desempenho financeiro, esse aparato costuma ser eficiente para o resultado da tesouraria. Porém, é absolutamente inócuo em situações de perigo de destruição reputacional.
A Caixa é caso exemplar. As denúncias contra Pedro Guimarães, ex-presidente, sinalizam violação em série dos princípios elementares do código de ética do banco, um texto de mais de 12 mil palavras.
No entanto, seria necessário grande esforço para enquadrar o ex-presidente e dos cúmplices na “política de controle interno, compliance e integridade”. Ela cuida essencialmente do dinheiro circulante na Caixa.
É assim que funciona na maioria das empresas públicas e privadas. Temas como igualdade e diversidade são adequados ao marketing e relações públicas, mas não fundamentam a cultura corporativa e sua efetividade nos escritórios depende do humor matinal do acionista-controlador e dos principais executivos — geralmente, homens.
Poucas são as empresas relevantes com alguma preocupação perceptível, por exemplo, sobre as fragilidades institucionais ou os direitos de saúde das funcionárias.
Se essa forma de comportamento corporativo alienado foi admissível até recentemente, deixou de ser.
Não é por acaso que, neste semestre, quatro centenas de multinacionais estejam abandonando as atividades na Rússia de Vladimir Putin.
Também, não é trivial que a Amazon decida investir na liderança de um grupo de pressão para induzir o Congresso americano à liberação da indústria de produtos de maconha.
Da mesma forma, não é banal o empenho de Yelp, Airbnb, Citigroup, Tesla, Starbucks, Levi Strauss, Disney e JP Morgan, entre outras, em movimentos para pressionar a Câmara e o Senado dos EUA a aprovar uma legislação federal permitindo o aborto, em resposta ao retrocesso imposto dias atrás pela Suprema Corte.
Todas estão modificando a cobertura de saúde das funcionárias. Algumas até se comprometeram, em público, a garantir que, onde quer que trabalhem, elas possam ter acesso à interrupção de gestação, reembolsando gastos de viagem para estados onde o procedimento médico seja legalizado.
Decisões corporativas dessa natureza traduzem o senso comum de modernidade — o oposto da caverna em que Pedro Guimarães e seus cúmplices aprisionaram a Caixa nos últimos três anos. A história do capitalismo ensina: é bom negócio apostar no progresso social.