Exército pede ajuda para desmobilizar golpistas
Inédito: Exército pediu a governos locais ajuda para desestimular bolsonaristas que, nas portas dos quartéis, apelam por sua adesão a um golpe de estado.
Jair Bolsonaro completou uma semana em transe por causa da derrota nas urnas. Recolheu-se no Palácio da Alvorada, residência oficial, e mantém vazia sua agenda de trabalho.
Vagueia no ressentimento, indigestão que nunca termina, enquanto assiste à diluição do seu governo no frenesi dos antigos aliados que, agora, correm para “ajudar” o vencedor.
Bolsonaro tentou, assim como seus seguidores mais fiéis e radicalizados. Fracassaram.
Na quarta-feira da semana passada, quando estavam no auge os bloqueios organizados nas estradas e avenidas de 24 Estados, ele conversou com os comandantes das Forças Armadas.
Avisou sobre a decisão de falar à tropa de choque bolsonarista que havia sido mobilizada a partir da noite de domingo, depois da proclamação do resultado eleitoral.
Foi informado sobre a ausência de irregularidades na prévia da “auditoria” sobre quase 700 urnas conduzida pelo Ministério da Defesa, com o uso do Centro de Defesa Cibernética do Exército.
Esboçou, então, a ideia de protestar contra a eleição do adversário Lula. Argumentou com a “inelegibilidade” pelas condenações por corrupção. Na vida real, as sentenças foram anuladas pelo Supremo Tribunal Federal, que mandou refazer os processos, e isso, automaticamente, tornou Lula elegível.
Uma Forças Armadas se entusiasmou e, conforme relato do repórter Kenzo Machida, da CNN, até avalizou a manobra. Teria sido a Aeronáutica, informa-se no governo e no Congresso. O Exército vetou, a Marinha se alinhou.
Bolsonaro, mais tarde, gravou mensagem em video aos participavam dos bloqueios organizados. Estava sob pressão de grandes financiadores da campanha bolsonarista, empresas do agronegócio e de comércio, que passaram a se sentir prejudicados com a obstrução das rodovias e avenidas. Contavam-se perdas do fluxo de grãos e proteína animal para exportação à matéria-prima do varejo de sanduíches.
Foi sua primeira – e única – manifestação pública sobre a eleição. Apareceu deprimido, em camiseta escura, ao estilo Volodymyr Zelenski, presidente e chefe da resistência ucraniana: “Eu sei que vocês estão chateados, estão tristes”, disse. “Esperavam outra coisa, eu também. Estou tão chateado, tão triste quanto vocês.” Preocupou-se em ressalvar sua responsabilidade: “Deixo claro: vocês estão se manifestando espontaneamente.” Incentivou a mudança de rumo: “O apelo que eu faço a você: desobstrua as rodovias, proteste de outra forma, em outros locais”.
Com a direção da Polícia Rodoviária Federal ameaçada de prisão e forças estaduais intervindo por ordem do Supremo, a obstrução em vias públicas foram substituídas pelas concentrações nas portas dos quartéis — tipo de manifestação inaugurada por Bolsonaro no 19 de abril do ano passado, Dia do Exército, quando comandou um comício na porta do Quartel-General do Exército, em Brasília.
Desde então, o vocabulário golpista mudou: as faixas apelando à “intervenção militar com Bolsonaro” foram trocadas por “intervenção federal”, sem o nome do beneficiário. Conservou-se o “S.O.S. Forças Armadas”.
Na sexta-feira (4), cinco dias depois da eleição, a balbúrdia já era um incômodo para comandantes de tropas. O rastreio de informações indicou tendência ao aumento no fluxo de pessoas nos portões das unidades militares por causa dos planos de incorporação de equipamentos como trios elétricos para amplificar os protestos.
Deu-se, então, uma situação inédita na história política contemporânea: o Exército pediu a governos locais ajuda para desmobilizar grupos radicais bolsonaristas que, nas portas dos quartéis, apelam por sua adesão a um golpe de estado. Querem anular a eleição de Lula e a manter Bolsonaro no poder.
Em Brasília, por exemplo, o Comando Militar do Planalto enviou ofício à Secretaria de Segurança. Pediu para “verificar a possibilidade de não autorizar a entrada de ‘trio elétrico’ no Setor Militar Urbano” — a área onde está localizado o quartel-general.
O sonho golpista acabou, na modalidade civil-militar de 1964. O governo dilui-se na depressão do candidato que não se reelegeu. A transição política e administrativa avança. Sobram delírios e esperneio de torcidas organizadas, subsidiadas e incentivadas na cooperação de segmentos do setor público aparelhados pelo bolsonarismo, atual estuário da extrema-direita brasileira.