Espionagem política tem efeito corrosivo entre aliados de Bolsonaro
Parlamentares temem estar na lista de espionados pelo governo a que serviam, e com objetivos obscuros. Como nos romances, não há inocentes
O presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, pediu ao juiz Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, a lista de nomes de deputados federais e senadores vítimas de espionagem ilegal durante o governo Jair Bolsonaro.
Pacheco, advogado de profissão e senador eleito pelo PSD de Minas Gerais, argumentou ao juiz sobre violação dos direitos constitucionais à privacidade, ao sigilo das comunicações e aos dados pessoais.
Lembrou que a espionagem seria ilegal, também, por afrontar prerrogativas parlamentares, “especialmente quanto à garantia de livre exercício do mandato e do sigilo de suas fontes”.
Alegou, ainda, a necessidade de publicidade e de transparência — “fundamentos da administração pública” — para requisitar lista de nomes de deputados e senadores vitimados nas ações clandestinas da “Abin paralela” e de suas ramificações no governo Bolsonaro.
Não se sabe porque o presidente do Congresso restringiu seu pedido à corporação parlamentar. Não foi o único alvo, como descrevem documentos públicos da Polícia Federal, Procuradoria-Geral da República e do Supremo sobre a espionagem ilegal. O presidente do Congresso esqueceu-se das outras vítimas – os sem mandato.
A documentação judiciária mostra, por exemplo, que em alguns períodos relevantes no calendário político foram intensas as operações da “Abin paralela”.
Em 60.734 registros extraídos de um único sistema de vigilância (First Mille), a polícia identificou 30.344 correspondentes a rastreamentos de pessoas na temporada de eleições municipais de 2020. É o que informa o juiz Moraes em despacho (Petição nº 12.027) autorizando busca e apreensão policial nas residências do vereador Carlos Bolsonaro.
Ao restringir seu pedido de identificação das vítimas ao universo parlamentar, Pacheco confirma a preocupação predominante no bloco de deputados e senadores que, por razões diversas, estiveram alinhados aos governo Bolsonaro. Temem estar na lista de espionados pelo governo a que serviam, e com objetivos obscuros.
Esse receio ajuda a explicar, em parte, o silêncio da maioria dos antigos aliados sobre a investigação da “Abin paralela” e o clã Bolsonaro.
As suspeitas se multiplicam e o efeito é corrosivo. Com ou sem lista, está difícil estancar a sangria entre antigos aliados de Bolsonaro. Como nos romances de espionagem, não há inocentes.