Collor é fenômeno de sobrevivência política no banco dos réus do STF
O Supremo, de novo, enfrenta o dilema sobre o que fazer com um ex-presidente condenado à prisão. Decisão pode orientar o rumo do caso Bolsonaro
O ex-presidente Fernando Collor confirmou no fim de semana de Carnaval que é mesmo um fenômeno de sobrevivência política no banco dos réus do Supremo Tribunal Federal.
Ganhou mais noventa dias longe da prisão, no mínimo. É fato relevante para alguém que o Supremo condenou por corrupção a oito anos e dez meses de cadeia, o equivalente a 3.220 dias de cárcere.
A sentença é de maio do ano passado. Collor recorreu, alegou omissões, contradições e erros do tribunal no cálculo da pena. Pediu para ser reduzida a quatro anos, ou 1.460 dias de prisão.
Com a requisição de Toffoli para análise, o ex-presidente ganhou fôlego até maio. Três meses é o prazo estabelecido no regimento do STF para que um juiz examine e devolva o processo. O julgamento havia começado com o voto de Alexandre de Moraes pela rejeição do recurso e manutenção da sentença.
Collor foi condenado por crimes cometidos no mandato de senador, entre 2009 e 2014, quando Lula e Dilma Rousseff o reconheceram como aliado de ocasião no Senado. Em troca de apoio parlamentar, deram-lhe uma fatia da direção do grupo Petrobras, com poder de decisão sobre contratos de construção de bases de distribuição de combustível na Baixada Fluminense e em áreas remotas da Amazônia.
O processo contém excesso de provas, decisivas para a sentença. Foram rastreadas 369 operações de lavagem de dinheiro em contas bancárias pessoais e empresariais. Ficou comprovado que o ex-presidente, quando senador, recebeu 20 milhões de reais (atualmente, 40,2 milhões) no espaço de 36 meses em subornos para facilitar negócios obscuros de empreiteiros com o grupo Petrobras. Existiam indícios de corrupção em escala mais ampla, com trânsito de dinheiro por casas bancárias de Hong Kong, por exemplo. No entanto, a investigação ficou restrita à praça financeira nacional.
Collor é um político sobrevivente no banco dos réus do STF há 31 anos. Em 1989 venceu Lula, na primeira eleição com voto direto para presidente desde a ditadura. Foi deposto por impeachment, declarado inelegível e acusado de corrupção pelo Congresso em 1992. O STF arquivou o caso da usina de negociatas durante o breve governo (1990-1992).
Na virada do milênio, um outro processo por falcatruas em contratos públicos começou a tramitar no Supremo. Só foi a julgamento em 2014, quando ele era senador pelo PTB, com direito a foro privilegiado. Os juízes constataram que os crimes estavam prescritos, sem chance de punição efetiva.
Nessa época, ele já estava sob investigação por corrupção na Petrobras. Quase uma década depois, em maio do ano passado, recebeu a sentença de oito anos e dez meses de prisão, agora contestada.
Collor é prova eloquente da vitalidade dos arranjos reinventados a cada ciclo eleitoral para perpetuação da rede de interesses políticos na partilha privada de bens públicos. Foi revigorado nas últimas duas décadas a partir da opção preferencial de Lula e Dilma pela gerência do atraso como tática de “governabilidade”. O Judiciário fez o restante.
Mandá-lo à prisão tem múltiplas implicações. De novo, o Supremo enfrenta o dilema sobre o que fazer com um ex-presidente condenado à prisão.
No caso de Lula, falhas técnicas nos processos ampararam a anulação das acusações, com a consequente reabilitação política dando-lhe a chance de conquistar o terceiro mandato presidencial. Nesse novo caso Collor, a decisão do Supremo poderá orientar o rumo dos processos contra outro ex-presidente encrencado — Jair Bolsonaro.