Ontem à noite, o candidato do Psol ao governo de São Paulo Guilherme Boulos usou uma rede social para mandar uma mensagem aos seus aliados do PT: “[Jair] Bolsonaro, apesar da aparência de cachorro morto, pode crescer onde hoje as pesquisas menos indicam: o eleitorado popular, as periferias do Brasil” — escreveu numa rede social.
Boulos concorreu à Presidência da República na eleição vencida por Bolsonaro, em 2018. Terminou em 10º lugar, com 617 mil votos (0,58% do total).
Dois anos depois, surpreendeu na disputa pela prefeitura da capital paulista: perdeu para o falecido Bruno Covas (PSDB), mas saiu do segundo turno com 2,1 milhões de votos (32%).
Aos 39 anos, psiquiatra e integrante do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MST), Boulos conhece a vida na periferia paulistana — mora em Campo Limpo, na Zona Sul, onde estão seis dos dez bairros mais afetados pela pandemia.
Aliado de Lula, favorito nas pesquisas, ele percebeu indícios de avanço do adversário, e resolveu registrar, preocupado com o clima de “já ganhou” no PT que, aparentemente, distancia da periferia urbana, onde a força da pressão eleitoral do governo começa a ser percebida.
“Lula é favorito, mas a eleição não está ganha”, insistiu. “Pode parecer um contrassenso, dada a popularidade de Lula entre os mais pobres e particularmente no Nordeste. Mas não é.”
“Seria um erro grosseiro subestimar o efeito de um benefício de R$ 400 para 18 milhões de famílias brasileiras que se encontram na extrema pobreza”— exemplificou. “É a diferença entre comer ou não. Ser despejado ou conseguir pagar o aluguel. Não é pouca coisa em tempos de vacas magras.”
Acrescentou: “Que o Auxílio Brasil seja uma jogada eleitoreira, que tem prazo de validade no fim do ano; que a fome, a inflação e a estagnação econômica foram produzidas pela política deste mesmo governo – tudo isso, quem está no calor da luta política sabe. Mas pode não surtir tanto efeito diante da sensação de melhora de vida para milhões de pessoas atiradas no desespero.”
Novas sondagens eleitorais sinalizam, em fevereiro, avanço de Bolsonaro. Variam as metodologias aplicadas, mas o aspecto comum é a tendência de redução da vantagem mantida por Lula nos últimos oito meses.
A diferença caiu de 14 pontos percentuais para 9 pontos nas últimas quatro semanas, por exemplo, na pesquisa divulgada pelo PoderData, com 3 mil entrevistas telefônicas realizadas entre os últimos dias 13 e 15.
Nela, Lula lidera (40%), seguido por Bolsonaro (31%), Sergio Moro (9%) e Ciro Gomes (4%). Não há crescimento expressivo de Bolsonaro, mas indício de que ele tende a ganhar fôlego.
Esse movimento se torna mais visível no Estado de São Paulo, maior colégio eleitoral do país.
A maioria (56%) dos 33 milhões de eleitores reprova o governo Bolsonaro, classificando-o como “ruim” ou “péssimo”. No entanto, um de cada cinco paulistas julga relevante a influência presidencial na decisão de apoiar um candidato ao governo estadual. Foi o que apurou o instituto Ipespe em mil entrevistas telefônicas realizadas entre os últimos dias 14 e 16 em todo o Estado.
Só na contagem de votos, em outubro, se poderá dimensionar o tamanho da preferência dissimulada, oculta ou envergonhada, que aparentemente existe no eleitorado paulista pela reeleição de Bolsonaro.
Os reflexos, porém, estão delineados numa surpresa eleitoral bolsonarista, constatada pelo Ipespe: a competitividade do candidato escolhido por Bolsonaro para disputar o governo paulista.
Tarcísio de Freitas (PL), 46 anos, carioca, engenheiro militar e ministro da Infraestrutura, não tem histórico nem traço de intimidade com a política em São Paulo, mas já aparece em segundo lugar na preferência de voto para o governo estadual.
Na pesquisa espontânea tem 5% das intenções, um ponto abaixo do ex-prefeito paulistano Fernando Haddad (PT) e um à frente do governador João Doria (PSDB) e do ex-governador Márcio França (PSB).
Quando seu nome é associado a Bolsonaro, ele vai a 25% — fica 13 pontos abaixo de Haddad (38%), mencionado com o apoio de Lula e do ex-governador Geraldo Alckmin (sem partido). E se destaca com vantagem de 15 pontos em relação ao vice-governador Rodrigo Garcia (PSDB), candidato apoiado por João Doria.
Se confirmada a tendência, o verão terminaria com uma disputa mais acirrada pela presidência, dando razão a Boulos: “cachorro morto” só na aparência.