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Aposta externa

Multinacionais avançam no país e o governo racha por acordo com a Europa

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 10h13 - Publicado em 14 jul 2023, 06h00

O Brasil recebeu um volume de investimento direto estrangeiro sem paralelo na última década. Empresas com sede no exterior quase dobraram sua aposta no país: no ano passado investiram 97% a mais do que em 2021. Injetaram 91,5 bilhões de dólares na expansão de seus negócios no mercado brasileiro.

A estimativa é da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), respeitado órgão da ONU, em relatório divulgado na semana passada. Coincide com pesquisas do Banco Central e do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

Não é pouco dinheiro. Equivale a 457,5 bilhões de reais. Numa conta de padaria, é suficiente para zerar as dívidas dos 27 estados com o Tesouro Nacional. Supera a quantidade de crédito rural anunciada por Lula para irrigar suas relações com o pedaço do agro que virou ogro.

Essa ampliação do controle ou poder de influência estrangeira em segmentos relevantes da economia (serviços, indústria e extrativismo) ocorreu num estuário de incertezas da guerra fria entre os Estados Unidos e a China, da invasão militar russa na Ucrânia e da tumultuada eleição presidencial brasileira.

Na campanha, enquanto Lula recauchutava o ideário do centralismo estatal na economia, Bolsonaro torturava o liberalismo com o velho receituário do autoritarismo. Ainda assim, investidores estrangeiros mantiveram otimismo, em proporção inversa ao ceticismo demonstrado pelos brasileiros.

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Essa dicotomia ficou evidente tanto no fluxo de capital para produção e serviços, quanto na especulação financeira. Durante a travessia eleitoral, os residentes no exterior gastaram 22 bilhões de dólares, equivalentes a 110 bilhões de reais, na compra de ações de companhias instaladas no país, principalmente de empresas estatais. Já os locais preferiram vender papéis no mesmo valor, segundo a bolsa de valores B3, de São Paulo.

A Cepal acha que ainda “não está claro” se os investimentos diretos devem se manter no nível recorde registrado em 2022. No Brasil, porém, é notável a mudança na expectativa empresarial. Até março, apenas 20% dos executivos financeiros apostavam em aumento do fluxo de capital estrangeiro na economia. Agora 54% acham que isso vai acontecer, informa pesquisa da Genial/Quaest realizada na semana passada em bancos e corretoras de São Paulo e do Rio. Esse clima otimista, provavelmente, é influenciado pelo avanço da reforma tributária no Congresso.

“Multinacionais avançam no país e o governo racha por acordo com a Europa”

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De cada 100 dólares investidos por empresas multinacionais na América Latina no ano passado, o país ficou com 40. A maior parte (67%) desse aporte de capital no Brasil teve origem em empresas sediadas nos Estados Unidos e na Europa. Uma interpretação possível está na mudança de estratégia das empresas, com remanejamento das cadeias de suprimento para países geograficamente próximos e considerados politicamente alinhados.

O critério de afinidade geopolítica passou a ter influência óbvia e crescente nas decisões de investimento em economias de médio desenvolvimento, sugerem estudos do Fundo Monetário Internacional (FMI), em decorrência do agravamento das tensões comerciais entre os EUA e a China nos últimos cinco anos. Entre os efeitos colaterais destaca-se a multiplicação das condicionantes para governos mais dedicados à diplomacia da estridência do que ao pragmatismo na busca de resultados econômicos consistentes.

O governo Lula, por exemplo, rachou num conflito interno sobre as relações com os Estados Unidos e a Europa. As divergências se refletem no impasse político sobre as negociações do acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia, assinado em 2019 depois de duas décadas e meia de ajustes. O influente assessor de Lula, ex-chanceler Celso Amorim, revigorou o Itamaraty e a Casa Civil na retórica de “resistência” anti-imperialista, em contestação às alternativas de pactuação sugeridas pelos ministérios da Fazenda, Planejamento, Agricultura, Defesa, Indústria e Comércio.

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A ideia de uma política externa independente foi moldada nos anos 60 por San Tiago Dantas, solista na sinfonia do liberalismo durante o governo parlamentarista de Tancredo Neves (1961-1962). Em plena Guerra Fria, ele restabeleceu relações comerciais com a União Soviética, porque percebeu oportunidades de negócios “que nosso país só poderia deixar de atacar e aproveitar se tivéssemos perdido o instinto de conservação”. San Tiago acaba de ganhar o último volume de uma excelente biografia, escrita por Pedro Dutra. O título é sugestivo: “A razão vencida”.

Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

Publicado em VEJA de 19 de julho de 2023, edição nº 2850

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