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Angústia no poder

Lula se vê limitado à gerência de gastos e dívidas

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 11h07 - Publicado em 31 mar 2023, 06h00

Sob um sol abrasador, sertanejos esperavam para ver Lula e sua candidata à sucessão presidencial. Ela não apareceu, mas o comício daquela terça-feira, 17 de agosto de 2010, foi um sucesso: a plateia ficou hipnotizada com uma caricatura da voz de Dilma Rousseff. Em tom mais grave, naturalmente:

— Quero ganhar a eleição para cuidar do meu povo como mãe cuida do filho…

Lula se divertia imitando a pronúncia peculiar de Dilma num palanque em Salgueiro, a 500 quilômetros do Recife.

Seu humor estava aditivado pelo recorde de aprovação do governo nas pesquisas, amparado no maior ciclo de investimentos desde a redemocratização, com fartura de crédito do BNDES e de gastos da Petrobras no petróleo do pré-sal.

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Em Salgueiro, multiplicava promessas sobre a redenção econômica do Nordeste, segundo maior colégio eleitoral do país. Anunciava refinaria, porto e estaleiro em Pernambuco; refinaria e estaleiro no Ceará; siderúrgica e exploração de gás natural no Maranhão.

— A coisa tá boa. E tão boa que, até no Maranhão, onde o (José) Sarney reclamava que era pobre, o Eike (Batista) acaba de achar gás — comemorou.

À noite, enquanto retornava a Brasília, o empresário Eike Batista animava um leilão beneficente no inverno paulistano. Pagou o equivalente a 1 200 000 reais, a preços de hoje, por um terno doado por Lula. Até quebrar e ser preso por fraudes no mercado de capitais, Eike continuou sendo exaltado por asses­so­res do governo e teóricos do PT como “figura emblemática” de “uma camada de empresários dispostos a seguir as orientações do governo”.

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Quando Lula entregou o poder a Dilma, a inflação beirava 6% ao ano e aumentava. A “coisa tão boa” começou a fenecer dezenove dias depois, quando o Banco Central encareceu o crédito para reduzir o ritmo de avanço dos preços: aumentou os juros (de 10,75% para 11,25% ao ano). A instabilidade dos anos seguintes é história conhecida.

Lula, agora, tenta moldar o futuro com ideias que lá atrás se provaram funcionais para garantir a reeleição e, depois, a sucessão. Porém o mundo é outro e a Presidência já não tem o poder que possuía na década passada.

“Lula se vê limitado à gerência de gastos e dívidas”

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A paisagem vista pelos janelões do Palácio do Planalto está meio turva. O presidente exibe-se aflito e angustiado nas reuniões com ministros e parlamentares. Sonhava com uma volta à era da “coisa tão boa”, mas a fragilidade da economia ameaça limitá-lo à gerência de gastos e dívidas.

O governo projeta estagnação neste ano, com inflação alta e risco de insolvência. As debilidades estão visíveis no comércio, onde o custo do dinheiro mais que duplicou (105%) a dívida bruta das empresas. A gravidade da atual crise de crédito “pode forçar” o Banco Central a baixar juros antes do esperado, aposta o Conselho de Economia e Política da Federação do Comércio de São Paulo em relatório da semana passada.

Ao Lula agônico e vacilante sobre o controle de gastos e dívidas, o BC retruca com juros (13,75%) mais altos que no início do governo Dilma. Num laivo de ironia política, transparente em empáfia, receita “serenidade e paciência”. No prédio ao lado, no Congresso, predomina a letargia. O governo completa três meses sem votar um único projeto prioritário na sua agenda legislativa.

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Ansioso por soluções, Lula poderia pedir ao seu ministro da Defesa, José Múcio, para contar a experiência de resolução de um impasse com um parlamentar de Bodocó, vizinha a Salgueiro, na caatinga onde imitou Dilma.

Múcio era deputado federal pelo PTB de Pernambuco, em 2005, quando recebeu o aliado tenso e aflito:

— Queria ver se o senhor, que tem influência aqui em Brasília, poderia me ajudar com alguém lá no Judiciário… É que tem aí um parente da minha mulher que está com probleminha…

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— Como assim?

— Ele se envolveu numa besteirinha… Essa coisa aí da freira (o assassinato da missionária católica americana Dorothy Stang) no Pará.

Múcio emudeceu, meditou, recuperou o fôlego e encarou o aliado:

— Tá certo. Você está aqui com um amigo, a quem você nunca faltou. Vamos ver, eu vou anotar aqui no papel, fazer uma lista. Quem é que está do nosso lado? Eu, você e a sua mulher. Agora, vamos ver quem é que está contra nós? Temos o papa, o Vaticano, os Estados Unidos, a Europa, o Tribunal Penal Internacional, o governo, o Congresso, o Judiciário e todas as igrejas brasileiras… Então, quem você acha que vai ganhar?

Acabou o impasse.

Publicado em VEJA de 5 de abril de 2023, edição nº 2835

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