O dia seguinte chegou. Agora, Jair Bolsonaro vai enfrentar as consequências.
Elas começam no desafio que fez ao Judiciário, ontem, em dois comícios da campanha pela reeleição.
Bolsonaro anunciou desobediência às ordens judiciais assinadas por “canalhas”. Pretende não só escolher a sentença como, também, o juiz.
“Não vamos mais admitir pessoas, como Alexandre de Moraes” — disse, referindo-se ao juiz do Supremo Tribunal Federal que conduz inquéritos criminais nos quais ele se destaca como suspeito, ao lado dos três filhos parlamentares e uma dezena de deputados federais aliados.
Essa investigação atinge o coração do bolsonarismo com inquérito sobre conspiração golpista, em parte financiada com recursos públicos.
Agora, Bolsonaro ficou prisioneiro no próprio tumulto: ou cumpre o que disse ontem na rua, diante de milhares de seguidores, ou se desmoraliza — se isso ainda for possível —, até mesmo diante dos aliados mais fiéis.
No desacato ao Judiciário criou as condições perfeitas para o amálgama de forças políticas, parte relutante até ontem, para enquadrá-lo na sequência de crimes de responsabilidade definidos na Constituição. Isso pode acontecer pela via judicial ou parlamentar.
Impeachment é processo longo e tortuoso, mas pode ser abreviado — o de Fernando Collor (1992) levou cinco meses, o de Dilma Rousseff (2016) saiu em um trimestre.
Há, também, a possibilidade de desfecho na Justiça Eleitoral pela inelegibilidade em 2022.
As duas alternativas têm custo político alto, mas Bolsonaro criou um ardil que acabou por barateá-las. Desde ontem, já custam menos, para todos, que a insegurança embutida numa longa crise institucional protagonizada por um presidente trôpego no isolamento autoinfligido, preocupado apenas em proteger a parentela, continuar no Palácio do Planalto e se reeleger a qualquer custo.
Ele esgotou sua presidência no espetáculo do confronto, quase nada construiu e muito pouco tem a oferecer ao eleitorado nos 16 meses até à eleição, como se confirma na inflação à beira dos dois dígitos.
Se Bolsonaro não mudou, vai tentar sair do buraco em que se meteu da mesma forma de sempre, lamentando, sem se desmentir, mas pedindo tolerância. Agiu assim nos seus 28 anos como deputado federal, e sempre foi beneficiário da leniência na Câmara.
Em junho de 1993, por exemplo, estava no primeiro mandato e viajou a Santa Maria (RS) para um evento militar. Ao chegar, apresentou ao repórter José Mauro Batista, do jornal A Razão, sua receita para a solução dos problemas nacionais: “Um curto período de exceção, que incluiria, entre outras medidas, o fechamento temporário do Congresso e a suspensão das prerrogativas do Legislativo por seis meses.”
Na volta Brasília, diante da ameaça de cassação, subiu à tribuna para tentar se explicar. Piorou: “A atual Constituição garante a intervenção das Forças Armadas para a manutenção da lei e da ordem,
conforme previsto no art. 142 (…) Sou a favor, sim, de uma ditadura, de um regime de exceção, desde que este Congresso Nacional dê mais um passo rumo ao abismo, que no meu entender está muito próximo…”
Foi quando o deputado baiano José Lourenço, reconhecido conservador, se aproximou e passou a interrompê-lo seguidamente.
— Acabe logo, deputado! — repetia Lourenço, intimidador.
Bolsonaro se voltou para ele: — Estou pronto para resolver o problema aqui, por qualquer meio.
Lourenço passou a mão no paletó, na altura da cintura e insinuou, desafiante: — Sei que vossa excelência é um homem valente…
Wilson Campos, que presidia a sessão, interveio: — Deputado Jair Bolsonaro, exijo respeito à Mesa e à Casa.
Bolsonaro encerrou o discurso, rapidamente, com um pedido de desculpas. Ganhou a condescendência da Câmara, que queria fechar.
O alvo, agora, é o Judiciário. A resposta dos juízes será coordenada e começará a ser dada hoje à tarde, em discurso do presidente do Supremo, Luiz Fux. Não se prevê suavidade, ou tolerância, somente uma indicação das consequências.