Assine VEJA por R$2,00/semana
Imagem Blog

José Casado Materia seguir SEGUIR Seguindo Materia SEGUINDO

Por José Casado
Informação e análise
Continua após publicidade

A voz da maioria

Na eleição, as mulheres contestam o comando e os vícios masculinos

Por José Casado Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 12 set 2022, 11h53 - Publicado em 12 set 2022, 11h00

Saiu de casa cedo, passou no fórum e deixou a petição baseada numa inovadora lei estadual. O juiz aceitou e Celina Guimarães Rosa, 29 anos, professora em Mossoró, Rio Grande do Norte, tornou-se a primeira eleitora brasileira.

Quatro meses depois, Alzira Teixeira Soriano, 32 anos, elegia-se prefeita de Lajes, velha paragem de tropeiros entediados com a monotonia daquele trecho semiárido da Depressão Sertaneja, distante 130 quilômetros de Natal.

Celina e Alzira são referências do “voto de saias”, resultado do ativismo da bióloga Bertha Lutz na Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, que incitava “o rompimento dos tabus e preconceitos relativos à libertação da mulher” no Brasil de 1928.

Quase um século depois, as mulheres exibem força inédita na eleição. Quatro disputam a Presidência da República e cinco a Vice-Presidência. Ocupam 17% das candidaturas aos governos estaduais, 23% ao Senado, 34% à Câmara e 33% às Assembleias Legislativas. Houve avanço significativo, mas a participação das mulheres na representação política continua muito abaixo da dimensão do eleitorado feminino.

Donas de 53% dos votos disponíveis, elas receberam apenas um terço das candidaturas. Aos homens foram reservadas duas de cada três vagas. E assim garantiu-se a continuidade da hegemonia da voz masculina nos partidos, nos governos e nas Casas Legislativas até a próxima eleição.

Não foi acaso. Homens controlam toda a burocracia partidária e agiram dessa forma para concentrar mais dinheiro do fundo eleitoral nas candidaturas a presidente, governador e senador, onde a presença masculina beira os 80%. Fez-se um “ajuste” de contas, com dribles nas regras de financiamento das vagas obrigatórias (30%) para mulheres na concorrência à Câmara dos Deputados e às Assembleias Legislativas.

Continua após a publicidade

O sistema de incentivos estabelecido na legislação para atrair mais candidatas se provou funcional. Mas, também, limitado. “As cotas deveriam ser um piso nas chapas e, na prática, tornaram-se um teto” — constatou a pesquisadora Débora Thomé, coautora do excelente livro Mulheres e Poder.

“Na eleição, elas contestam o comando e os vícios masculinos”

É irônico. No século passado, quando Bertha Lutz viajava pelo país recrutando pioneiras, oito de cada dez mulheres brasileiras eram analfabetas. Agora, elas têm mais anos de escolaridade que a população masculina, somam metade das crianças na pré-escola, 53% do ensino médio, 57% do ensino superior e 56% dos cursos de mestrado e doutorado. Mesmo assim, eles continuam absolutos no comando político.

A igualdade de gênero permanece à margem da agenda de prioridades nacionais. A força da “ordem” masculina fica eloquente na ausência de programas específicos, e eficientes, para a saúde feminina, assim como na contínua obstrução dentro do Congresso de projetos para a partilha igualitária da estrutura de comando dos partidos sustentada com dinheiro público.

Convenções do patriarcado transparecem, por exemplo, nas dificuldades cotidianas de Lula, Jair Bolsonaro e Ciro Gomes, donos de 80% da preferência na disputa presidencial, em fazer campanha num país onde mulheres são maioria e se mostram mais veementes na reivindicação de paridade de direitos, medida de qualidade da democracia. Eles atravessaram a vida na política falando, basicamente, para homens. Na última quinzena foram surpreendidos pela veemência feminina em entrevistas e debates.

Continua após a publicidade

Bolsonaro se repete no destrato às mulheres. No debate presidencial atacou uma jornalista e provocou Ciro Gomes sobre um episódio de machismo, que retrucou acusando-o de corromper mulheres e filhos. Lula se desviou de “compromissos” com questões relevantes na igualdade de gênero. Perderam a bússola diante de cobranças das candidatas Simone Tebet e Soraya Thronicke. Desde então, o trio de candidatos tateia a comunicação com o eleitorado feminino.

A pandemia foi decisiva ao comportamento mais crítico das mulheres. A grande maioria é pobre, chefia família e ainda não conseguiu recuperar ocupação e renda, geralmente em escala inferior ao dos homens. As pesquisas realçam o julgamento comum e negativo, em diferentes estratos sociais, do descontrole governamental na crise pandêmica. Está na raiz da rejeição recorde a Bolsonaro e, em contraste, da vantagem daquele que é reconhecido como o seu principal adversário eleitoral, Lula.

É salutar essa percepção feminina de que alguma coisa está fora da ordem democrática. Deveria nortear o próximo governo.

Os textos dos colunistas não refletem, necessariamente, a opinião de VEJA

Publicado em VEJA de 14 de setembro de 2022, edição nº 2806

Publicidade

Matéria exclusiva para assinantes. Faça seu login

Este usuário não possui direito de acesso neste conteúdo. Para mudar de conta, faça seu login

Domine o fato. Confie na fonte.

10 grandes marcas em uma única assinatura digital

MELHOR
OFERTA

Digital Completo
Digital Completo

Acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 2,00/semana*

ou
Impressa + Digital
Impressa + Digital

Receba Veja impressa e tenha acesso ilimitado ao site, edições digitais e acervo de todos os títulos Abril nos apps*

a partir de R$ 39,90/mês

*Acesso ilimitado ao site e edições digitais de todos os títulos Abril, ao acervo completo de Veja e Quatro Rodas e todas as edições dos últimos 7 anos de Claudia, Superinteressante, VC S/A, Você RH e Veja Saúde, incluindo edições especiais e históricas no app.
*Pagamento único anual de R$96, equivalente a R$2 por semana.

PARABÉNS! Você já pode ler essa matéria grátis.
Fechar

Não vá embora sem ler essa matéria!
Assista um anúncio e leia grátis
CLIQUE AQUI.