O terrorista e o ditador caçaram um ao outro por muito tempo, e viveram os últimos 14 anos separados por apenas cinco quilômetros, cada um no seu quadrado de presidiário na base naval de El Callao, a meia hora de Lima, capital peruana.
Abimael Guzmán, codinome Presidente Gonzalo, líder do Sendero Luminoso, morreu ontem aos 86 anos, cumprindo pena de prisão perpétua. Seu vizinho presidiário, o ditador Alberto Fujimori, três anos mais jovem, está doente e aguarda a morte na cadeia.
O ditador e o terrorista partilham uma história de utopias autoritárias baseadas na lógica da violência política.
Gúzman, professor de filosofia, sonhou com uma sociedade maoísta fundamentalista ao sul do Equador, criou a guerrilha comunista Sendero Luminoso e escreveu uma das páginas mais tenebrosas da história das insurreições armadas no continente.
Fujimori liderou a extrema-direita, a bordo de um projeto econômico liberal. Com dois anos no poder, deu um autogolpe. Apoiado pelas Forças Armadas dissolveu o Congresso, fechou o Tribunal Constitucional e o Ministério Público.
Conseguiu prender Guzmán. Eles travaram uma guerra particular e foram responsáveis diretos por 69.280 casos documentados de pessoas assassinadas, desaparecidas e torturadas – na maioria, agricultores humildes e analfabetos -, além de uma legião de presos e expatriados.
O ditador e o terrorista cultivavam fantasias totalitárias. Em nome delas, tentaram destruir a sociedade peruana.
O terrorista morreu ao amanhecer, às 6h40m de sábado. O ditador está mais solitário.
À beira da morte na prisão, Fujimori ainda enfrenta investigações sobre a corrupção disseminada no seu governo, encerrado há 21 anos. Anteontem revelou-se que numa compra de 39 aviões militares para combater o Sendero Luminoso, foram cobrados US$ 320 milhões em propina.
Longe do presídio de El Callao, remanescentes da guerrilha comunista fundada por Guzmán seguem enriquecendo com o tráfico de cocaína na selva amazônica, em cidades próximas à fronteira com o Brasil.