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Jorge Pontes

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Jorge Pontes foi delegado da Polícia Federal e é formado pela FBI National Academy. Foi membro eleito do Comitê Executivo da Interpol em Lyon, França, e é co-autor do livro Crime.Gov - Quando Corrupção e Governo se Misturam.
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Que tal descriminalizar de vez a corrupção no Brasil?

Aprovação na Câmara de projeto que pune a 'discriminação contra pessoas politicamente expostas' mostra como o combate à corrupção regrediu no país

Por Jorge Pontes
Atualizado em 15 Maio 2024, 23h48 - Publicado em 16 jun 2023, 18h54

A sociedade brasileira recebeu como um tapa na cara a aprovação, pela Câmara dos Deputados, do PL 2720/23 – projeto de lei pune a “discriminação contra pessoas politicamente expostas”.

Em realidade o aludido projeto busca, com enorme descaro, criar mais uma proteção injustificável – e extremamente prejudicial ao interesse público – para as pessoas politicamente expostas – PEP’s – que são os próprios políticos. Enfim, estão criando uma nova redoma, e, despudoradamente, legislando em causa própria.

Curiosamente, o projeto é de autoria da deputada Dani Cunha (União-RJ), que vem a ser filha de Eduardo Cunha, que foi condenado a 16 anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, e cuja sentença foi recentemente anulada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O PL busca criminalizar a conduta de responsáveis por instituições financeiras que negarem a abertura de contas ou a concessão de crédito às pessoas politicamente expostas, tendo sido previsto pena de 2 a 4 anos de reclusão.

Em uma primeira versão do texto – já suprimida, tiveram a cachimônia de propor a pena reclusão para quem “injuriasse” ou “ofendesse” a dignidade ou decoro dessas PEP’s.

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Grosso modo, a nova lei, se aprovada, terá o condão de dificultar que regras de combate à lavagem de dinheiro sejam aplicadas aos nossos políticos, seus colaboradores e parentes…

O exame minudente que as instituições financeiras realizam em relação aos PEP’s é uma das boas práticas aconselhadas por organismos como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), e consolidadas globalmente, com vistas ao enfrentamento à corrupção sistêmica.

O projeto, se não for barrado pelo Senado, enfraquecerá consideravelmente o controle de operações financeiras que, entre outras providências, impede que instituições bancárias sejam utilizadas como instrumentos de lavagem de recursos desviados dos cofres públicos.

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A bem da verdade, a tentativa de emplacar esse projeto nos mostra, com clareza, o quão profundamente o enfrentamento à corrupção regrediu no país. A desfaçatez dos congressistas que defenderam a proposta – para não dizer “a tremenda cara de pau” – nos dá a medida exata do retrocesso que experimentamos nos últimos quatro anos, em relação a nossa velha e sofrida demanda por integridade.

O pior dos legados do governo Bolsonaro foi a divisão profunda criada na nossa sociedade, que nos tirou a motivação e a força para reagir. Não adianta negar: foi durante a última administração federal que o divisionismo se aprofundou. A partir daí as forças do atraso se reaglutinaram e reagiram, aproveitando-se dessa desmobilização da sociedade. A Operação Lava Jato foi desacreditada, seus principais operadores caíram em desgraça e suas conquistas foram sendo anuladas, uma a uma.

Temos que reconhecer, também, que a eleição de Bolsonaro em 2018 – e tudo de ruim e ameaçador que ele trouxe em seu governo – acaba sendo hoje percebido, com certa razão, como um dos mais expressivos “resultados” da Operação Lava Jato. É inegável que alguma coisa deu errado em um processo, quando o que foi parido se chama Presidente Jair Bolsonaro. Se Bolsonaro foi eleito em razão da Lava Jato, em algum momento a sociedade perdeu a noção do que era melhor para o Brasil, isto é, em algum momento os intervencionistas e radicais de direita sobrepujaram os que buscavam a integridade e o enfrentamento à corrupção.

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Por oportuno, os avanços que foram obtidos a partir dos movimentos de rua de 2013 – até 2018 – foram todos perdidos. Regredimos muito. Estamos hoje em pior situação do que antes desses marcos históricos. Tirando as Leis 12.846/2013 (Lei Anticorrupção) e 12.850/2013 (Lei das Organizações Criminosas), que foram aprovadas por um governo e um parlamento encurralados por aqueles massivos movimentos de rua (2013), não há mais nada a ser assinalado como evolução nessa área.

E, finalmente, como pudemos observar com esse PL 2720/23 (apelidado de PL Eduardo Cunha), já não são suficientes a imunidade parlamentar, a blindagem e o foro especial para quem desvia recursos públicos; já não é suficiente a institucionalização dos desvios de recursos públicos, como foi operado no Mensalão, no Petrolão e no evento do odioso Orçamento Secreto; agora querem também que instituições bancárias sejam proibidas de controlar as atividades financeiras daqueles que vêm historicamente desviando dinheiro público. Não vamos nos espantar se em breve algum desses congressistas propuser a legalização da corrupção no Brasil.

É o fim da picada!

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