Pacto pelo Rio: é hora de enfrentarmos a nossa guerra
Precisamos tentar focar um pouco mais na resolução dos nossos próprios problemas e nas demandas locais
Nas últimas 48 horas, o noticiário brasileiro — assim como nossas redes sociais — destinaram quase a totalidade de seu tempo e espaço para comentar as declarações do presidente Lula sobre as ofensivas israelenses na Faixa de Gaza, o sofrimento do povo palestino, e, ainda, as comparações com Hitler, nazismo e o Holocausto. A geopolítica da Terra Santa veio para a ordem do dia e firmou-se como pauta onipresente em rádios, jornais e televisão…
Em que pese a relevância do tema, mormente pelo sofrimento e perda de vidas dos dois lados do conflito, é hora de tentarmos focar um pouco mais na resolução dos nossos próprios problemas e nas nossas demandas locais, que, em se tratando de Rio de Janeiro, são igualmente sangrentas, violentas e causam dor, sofrimento e prejuízos aos cidadãos cariocas — reféns de uma crise sem fim de violência e criminalidade.
Por oportuno, exatamente sobre o Rio de Janeiro, ocorrerá nessa sexta-feira, dia 23 de fevereiro, no Centro Cultural FGV, o seminário “Pacto pelo Rio”, que contará com a presença de representantes do setor público e privado, entre especialistas e autoridades, para debater soluções para o Rio de Janeiro.
O evento será promovido pela FGV Conhecimento em parceria com o Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), e terá apoio do Fórum de Integração Brasil Europa (Fibe), da Globo, da Aegea e da Universidade de Columbia/Nova York.
Estão sendo esperados, como debatedores, o presidente do STF, Luis Roberto Barroso, o ministro do STF Gilmar Mendes, Paulo Gonet, Procurador-Geral da República, Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, o prefeito e o governador do Rio de Janeiro, Eduardo Paes e Cláudio Castro, a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, o ministro das cidades, Jader Barbalho Filho, Emerson Kapaz, do Instituto Combustível Legal, Leriana Figueiredo, do Instituto Igarapé, e Zachary Tumin, professor de Relações Públicas e Internacionais na Universidade de Columbia, entre outras figuras de destaque.
O objetivo central da iniciativa é o enfrentamento das mazelas crônicas que atingem o estado e a cidade do Rio de Janeiro, a partir de um pacto que aglutine poder público, entes privados e a sociedade civil, em benefício de uma agenda de transformação.
Na pauta teremos os desafios da desigualdade, das mudanças climáticas e da segurança pública que atingem o Rio de Janeiro. Serão também discutidos o impacto da criminalidade na educação, saúde e na sociedade de maneira geral, assim como o papel da mídia na conscientização do povo fluminense.
Mas é certo que o grande problema a ser endereçado, nesse Pacto pelo Rio, é a interminável crise de segurança pública que estamos enfrentando, de forma crescente, há várias décadas.
Não é tarefa nada fácil a superação da epidemia de criminalidade que nos atinge, nos três andares do edifício da delinquência — que são os crimes de rua (homicídios, roubos a mão armada, etc), crime organizado (tráfico de drogas, facções e milícias) e delinquência institucionalizada (corrupção de agentes públicos e políticos).
E também não podemos perder de vista que o combate ao crime se faz com profissionalismo. E isso implica em não permitirmos que políticas de enfrentamento à criminalidade tenham qualquer viés ideológico. As bases fundamentais da atividade da polícia moderna são a utilização de estatísticas confiáveis, com o emprego de inteligência e alta tecnologia, por parte de agências policiais 100 % blindadas de influência política ou ideológica.
Para piorar o cenário, sabemos que as organizações criminosas que atuam no Rio (em especial facções e milícias) vêm, nos últimos anos, desgraçadamente avançando suas atividades sobre mercados importantes, como os de fármacos, combustíveis, cigarros, bebidas e construção civil.
Se não reagirmos agora, de forma eficaz e eficiente, para revertermos essa situação, testemunharemos um inevitável processo de “calcificação” da presença e das posições do crime organizado em setores estratégicos da economia carioca.
Por conta desses perigos, precisamos embutir medidas “anti-crime by design”, em todas as políticas, de todas as áreas da administração pública. Temos que ter cautela quando adotamos modelos fiscais sem prever os impactos que possam ser gerados, inclusive como facilitadores da criminalidade. Algumas inovações tributárias — como a autodeclaração — incapacitam o Estado de rastrear produtos industrializados, e acabam funcionando como verdadeiros convites à sonegação, que por sua vez trazem a pirataria, a falsificação e o descaminho, e, por conseguinte, atraem a criminalidade organizada com a oportunidade dos seus lucros fáceis.
O mundo de hoje criou uma interconectividade sem precedentes, e o crime se aproveita disso. Estamos muito perto, no Rio de Janeiro, de chegarmos a um ponto de não retorno, em relação à imbricação da delinquência organizada com setores vitais da nossa economia. E se demorarmos muito poderá ser tarde demais.