Estádio olímpico de Tóquio: para além dos assentos vazios
Desenhado por Kengo Kuma, complexo esportivo abrange uma área externa aberta para uso livre do público, sob os olhares do majestoso Monte Fuji
Vendo seus 68.000 assentos vazios, uma coisa que me conforta é que, após os Jogos, o novíssimo estádio olímpico de Tóquio vai poder ser incorporado ao cotidiano dos residentes da metrópole. Desenhado por Kengo Kuma, que venceu o concurso conduzido pelo governo japonês depois da confusão com a arquiteta Zaha Hadid, o Estádio Nacional abrange uma área externa aberta para uso livre do público.
A 100 metros do nível da rua, o quinto andar da obra compreende um caminho com árvores e flores, num percurso que completa toda a circunferência do estádio. Com a extensão de quase um quilômetro, a área é chamada romanticamente de “Grove of the Sky”, bosque do céu. Num dia de sorte, é possível que o majestoso Monte Fuji nos dê a graça de uma aparição — uma vista que, garanto, melhora o dia de qualquer um. Teremos aí uma opção de respiro e descanso no centro da metrópole, isentos — espero — da obrigação de comprar um café para podermos relaxar num banco ao ar livre.
Segundo Hayato Fujii, representante do escritório Kengo Kuma and Associates no Brasil, a criação de espaços livres sem proposta determinada é uma das características que Kuma defende em suas obras. Diferente de colegas de profissão que preferem definir usos específicos para cada local projetado, o autor do estádio olímpico opta pela flexibilidade e delega ao público a decisão de como os espaços serão usados.
Fujii ressalta também que outro ponto de destaque nos trabalhos do arquiteto é a preferência por materiais e técnicas locais. Com o intuito de envolver todo o país na construção do Estádio Nacional, o arquiteto optou por usar madeiras de cada uma das 47 províncias do Japão.
Vemos essa mesma preocupação nos trabalhos do arquiteto fora do Japão, como no prédio da Japan House São Paulo, cuja obra foi coordenada por Fujii. Ao ser questionado por Kuma sobre materiais e métodos de construção característicos do Brasil, Fujii comentou dos nossos preciosos cobogós. E foi a partir dos charmosos elementos vazados presentes nas nossas construções que Kuma criou a trama de concreto para a fachada do espaço cultural paulistano, inaugurado em 2017.
Com tantos projetos que Kuma mantém fora do Japão, fiquei curiosa para saber como é fazer parte de um dos escritórios mais prolíficos do país. Fujii conta que, mesmo com mais de 400 projetos simultaneamente e um staff de 320 pessoas em diferentes países, o clima é de escritório pequeno. Kuma está por dentro de tudo o que acontece e, para acompanhar projetos fora de Tóquio, até antes da pandemia, não passava mais do que 5 dias consecutivos na cidade onde mantém sua base. Mas as relações de trabalho que o arquiteto estabelece com seus funcionários não seguem a hierarquia rígida de muitas companhias japonesas. Por conta de um ambiente que permite trocas, Fujii acredita que trabalhar com Kuma seja uma ótima escola.
Em relação aos 68 mil assentos vazios do estádio, Fujii comenta: “É triste, né? Mas que bom que Kuma deixou as cadeiras coloridas”. Trabalhando com um gradiente de cores que passam por marrom, verde e branco, Kuma acabou criando uma ideia de preenchimento e movimento sem sequer imaginar que sua obra seria banida de receber espectadores durante os Jogos Olímpicos de Tóquio.
Piti Koshimura mora em Tóquio, é autora do blog e podcast Peach no Japão e curadora da Momonoki, plataforma de cursos sobre o universo japonês. Amante de arquitetura e exploradora de becos escondidos, encontra suas inspirações nos elementos mundanos. (@peachnojapao | @momonoki_jp)