A julgar por tudo que já foi escrito, The Witcher, a grande estreia de final de ano da Netflix, tem dois argumentos principais com os quais convencer o espectador: a) Henry Cavill; b) a suposta pretensão de ser um novo Game of Thrones. Prenda-se a esses dois pontos, porém, e você vai perder a diversão e o interesse particulares que a série tem a oferecer. Primeiro porque, como o caçador de criaturas fantásticas Geralt de Rivia, portador de mutações ainda inexplicadas que dão a ele força e percepção extra-humanas e de uma peruca loira que ainda não me convenceu, Cavill demora um tanto a se acomodar no papel (acomoda-se bastante bem nele, afinal, mas ao seu tempo). Em compensação, personagens como a feiticeira Yennefer de Vengerberg (a intrigante Anya Chalotra) ou a jovem princesa fugitiva Ciri (Freya Allan) se impõem de imediato – e são tão cruciais à trama quanto o próprio Geralt. Desde o começo, também, é bom tirar do caminho a questão GoT: em um desses truísmos que ganham vida própria, afirma-se como se fosse fato que The Witcher é a aposta da Netflix para ocupar o imenso espaço deixado por Game of Thrones – quase verdade, mas nesse “quase” mora um abismo intransponível. Não creio que os executivos da Netflix sejam ingênuos a ponto de imaginar que poderiam ter em mãos um fenômeno da mesma proporção; o que eles encontraram, aqui, é uma série apta a explorar o nicho da fantasia medieval aberto por GoT – ou, em outras palavras, apta a surfar a onda criada pela HBO. Ponha-se The Witcher na devida perspectiva, e ela de cara fica mais aceitável. De quebra – e isso é importante –, essa perspectiva ajuda a perdoar algumas das preguicices da série criada por Lauren Schmidt, como o jeito descuidado de apresentar Geralt de Rivia e os diálogos expositivos desajeitados – que, para piorar, enfiam coloquialismos do século 21 no meio do fraseado fake-medieval.
Onde não vi preguiça – só alguma confusão, talvez – foi na concepção visual: The Witcher tem algumas ideias bastante interessantes sobre como aproveitar tanto a tradição visual dos contos de fadas do Norte da Europa (a série se baseia nos romances do polonês Andrzej Sapkowski) como os elementos bizantinos do Leste Europeu. Nem sempre é fácil para o espectador se orientar geograficamente nesses pontos diferentes do Continente em que se passa a história, em parte porque faltou discussão por parte da equipe e, de outra parte, por uma boa causa: eu, pessoalmente, fiquei muito mais estimulada quando percebi que as três linhas principais do enredo, conduzidas por Geralt, Yennefer e Ciri, se passam com décadas de intervalo entre si (Geralt e Yennefer não envelhecem; no passado ou no presente, têm a mesma aparência), e todo o trabalho da primeira temporada, portanto, estava em fazer com que as histórias convergissem.
Lauren Schmidt foi produtora de Private Practice, Demolidor, Defenders e Umbrella Academy – este um crédito que, particularmente, considero uma desrecomendação. É mais habituada à produção em massa, entregue no prazo e no orçamento, do que à produção que demora o que tiver que demorar e custa o que tiver que custar, como a praticada por David Benioff e D.B. Weiss em GoT. Suponho que, no caso de The Witcher, nem pensar isso de ficar dois anos fora do ar, como fez GoT quando o roteiro ainda não estava polido e burilado como Benioff e Weiss queriam. Mas Lauren compensa essa falta de obsessão, digamos assim, com uma facilidade própria para fazer a coisa fluir – em especial do quarto episódio em diante, quando The Witcher acha um equilíbrio entre as boas cenas de luta, a intervenção ocasional do humor e o drama. The Witcher também tem alguns sobretons políticos. Mas eles vêm bem mais diluídos do que em GoT, porque a série, sensatamente, sabe que é peso-pena, e discutir aquele poder a que a gente se refere com maiúscula é para pesos-pesados. Não é, enfim, nem em sonho, um substituto para Game of Thrones. Mas, nos próprios termos, é um entretenimento razoável. E por isso, apesar dessas ressalvas, não tenho dúvida de que quando a segunda temporada (já garantida) estrear, eu nem vou tentar resistir, e vou continuar.