Foi uma guerra territorial: o FBI estava ampliando sua alçada para além dos assuntos estritamente domésticos, e a CIA achou que ele estava pisando no seu pé. Assim, embora por lei as duas agências fossem obrigadas a compartilhar todas as informações relevantes para o trabalho de uma e de outra, a CIA entrou em operação-tartaruga: recebia despachos que às vezes eram cruciais para o FBI – e sentava em cima deles. A Estação Alec, em especial, sistematicamente se fazia de morta. E a Estação Alec era a divisão da CIA responsável por acompanhar as atividades da Al-Qaeda. De acordo com o excelente livro-reportagem O Vulto das Torres: A Al-Qaeda e o Caminho até o 11/9, pelo qual o jornalista Lawrence Wright ganhou o Prêmio Pulitzer, esse cabo-de-guerra entre as duas agências foi decisivo para que Osama Bin Laden conseguisse enfiar dois jatos no World Trade Center, em Nova York, e mais outro no Pentágono, em Washington. Como algo assim pôde acontecer? Produzida pelo Hulu e disponível na Amazon, The Looming Tower (em tradução livre, “A Torre que se Avulta”), a série baseada no livro de Wright, responde a essa pergunta em ritmo de thriller, com tensão constante, em dez episódios primorosamente roteirizados e protagonizados por uma elenco de primeira. Quanto mais The Looming Tower avança na sua investigação, mais sombria ela se torna: naquela pequena distância que separa a crença do fanatismo, tem-se o ingrediente infalível para que o pior aconteça, sempre.
O que não falta, em The Looming Tower, é ação e drama. De dentro dos gabinetes para países muçulmanos fechados, de Londres para escombros de bombardeios na África, a série segue as pegadas da Al-Qaeda junto com o responsável do FBI, John O’Neill (Jeff Daniels, destaque do elenco todo ele fortíssimo), seu jovem agente Ali Soufan (Tahar Rahim), libanês de nascimento, e o exausto agente veterano Robert Chesney (Bill Camp). Com desespero e apreensão crescentes, eles pressentem que estão travando uma batalha fundamental, mas a estão perdendo até no seu próprio lado do campo: apesar de todo o movimento dos episódios, no centro deles está uma reflexão sóbria e bastante amarga sobre o papel que o fanatismo – que se poderia definir aqui como a obstinação de ver não a realidade, mas uma imagem distorcida dela – desempenhou na tragédia de 11 de Setembro de 2001, e depois nas guerras no Iraque e no Afeganistão.
O fanatismo, no caso, não é nem o de Bin Laden, da Al-Qaeda e de seus membros coléricos. Mais nocivo ainda foi o fanatismo do chefe da Estação Alec, Martin Schmidt (Peter Saarsgard), e de sua sucessora no cargo, Diane Marsh (Wrenn Schmidt). Assim como Bin Laden encontrou no extremismo islâmico uma resposta para sabe-se lá que lacuna na sua alma, Schmidt e Marsh encontraram no segredo, na paranoia e na manipulação uma razão de ser. A Al-Qaeda bombardeou as embaixadas americanas no Quênia e na Tanzânia, e depois uma embarcação militar americana ancorada ao largo do Iêmen, deixando centenas de mortos; e ainda assim a dupla continuou a enterrar todas as pistas que deveria fornecer ao FBI. Diane Marsh foi notificada de que dois sauditas ligados à organização terrorista de Osama Bin Laden haviam entrado nos Estados Unidos – e decidiu não dividir a informação com o FBI. John O’Neill tinha certeza absoluta de que esse era o prelúdio de Bin Laden para um ataque em território americano. Mas, por mais que insistisse e reclamasse com o gabinete presidencial, a Estação Alec continuava negando ter alguma informação relevante por compartilhar. O’Neill e Ali Soufan são a alma de The Looming Tower. Juntamente com o chefe do contra-terrorismo Richard Clarke (Michael Stuhlbarg), representam o lado positivo da fé – a crença na objetividade e na investigação como um bem comum, maior do que eles e superior a eles. Schmidt e Marsh representam o seu oposto – uma fé que, de tão cega, não mais consegue enxergar o objeto do qual nasceu. Em vez de desvendar segredos, ter a posse deles é que passou a ser seu propósito. “E se?”, pergunta The Looming Tower. Embora, de antemão, saiba que nunca será possível conhecer o mundo hipotético em que a CIA e o FBI teriam colaborado e evitado esse novo mundo real que sua rivalidade deu à luz.
Obs.: John O’Neill, Ali Soufan, Richard Clarke e muitos outros são figuras verídicas. Alguns personagens, porém, como o de Martin Schmidt, Diane Marsh e Robert Chesney, são compilações de pessoas reais.