Este novo (novo?) Piratas do Caribe tem uma cena pós-créditos que acena com a possibilidade de mais um episódio na saga. Pessoalmente, encarei a sugestão como uma ameaça: ter navegado esses mares cinco vezes já não basta? A ideia me fez sentir como um daqueles coitados pegos pela press gang na Inglaterra das Guerras Napoleônicas e obrigados a embarcar nos navios de Sua Majestade quer queiram, quer não – a cada capítulo, Piratas se parece menos com um cruzeiro, e mais com um estágio no serviço naval. Desta vez, saí do cinema como se tivesse passado as duas horas esfregando o convés.
Não é que falte ao filme, de maneira nenhuma, qualidade técnica. O que falta a ele é qualquer sinal de alegria ou inspiração, de irreverência ou doidice – justamente as virtudes que, contra todas as expectativas, fizeram A Maldição do Pérola Negra estourar sozinho em 2003 e se revelar uma experiência tão deliciosa. Em A Vingança de Salazar, sente-se que Piratas virou uma engrenagem que tem de girar, e mal dá para abrir um sorriso de vez em quando. Justiça seja feita, a produção continua impecável e dedicada a bolar aquelas cenas de ação estapafúrdias e ultracomplicadas que são a marca da série. Também a escolha do elenco segue os reconhecidos padrões de qualidade. Paul McCartney tem uma ponta, e só o fato de ser Paul ali debaixo daquela barba, e falando aquelas barbaridades, já a torna divertida. Depois de uma longa ausência, Orlando Bloom volta à história (e não só ele). Javier Bardem, que fez o melhor de todos os vilões desta fase de James Bond, interpreta o Salazar do título, um fantasma esburacado e carcomido (os efeitos especiais são excelentes) com um desejo de vingança inextinguível contra Jack Sparrow.
E Jack Sparrow continua bebendo e aprontando, deixando sua tripulação na mão e então sendo salvo por ela – e daí, no final, saindo por cima. A esta altura, virou ironia que Johnny Depp tenha moldado Sparrow sobre os trejeitos de Keith Richards, o guitarrista dos Rolling Stones; suspeito que daqui a trinta ou quarenta anos Depp ainda vai estar carregando no delineador e apertando a cinta abdominal para fazer as micagens de Sparrow mais uma vez, e mais outra – do mesmo jeito que, a intervalos regulares, os Stones se juntam para mais uma turnê, e mais outra.
Em teoria, vida pessoal e vida profissional nada têm a ver uma com a outra. Na prática, elas se misturam quando o indivíduo começa a se comportar como uma celebridade desatinada e passa a frequentar os tabloides com notícias sobre cachorrinhos de estimação contrabandeados para fronteiras estrangeiras sem licença, brigas homéricas com a mulher, porres colossais, atrasos desconsiderados ou ausências inexplicadas do set, com a equipe toda em aflição. O lado pessoal se infiltra mais ainda no profissional quando o desempenho do indivíduo não tem esfuziança (acabei de inventar a palavra; eu precisava dela) suficiente para trazer o personagem completamente à vida e assim fazer o espectador esquecer que ali se tem um ator interpretando um personagem. Não é exagero dizer que, com sua imaginação e sua audácia, Johnny Depp, então o outsider de Hollywood, fez a série Piratas do Caribe acontecer na dimensão em que aconteceu. Mas Piratas também fez de Depp uma megacelebridade global, com todas as voluntariedades típicas dessa categoria. Neste momento, ele está em cima de um muro, e ainda não se sabe para que lado vai cair – se para o lado dos que sacodem a poeira e dão a volta por cima, como Robert Downey Jr., ou se para o lado dos que vão virando uma caricatura de si mesmos, como Nicolas Cage. Enquanto ele não se decide, a engrenagem de Piratas gira, sem alegria, em torno dele.
Trailer
PIRATAS DO CARIBE – A VINGANÇA DE SALAZAR (Pirates of the Caribbean: Dead Men Tell No Tales) Estados Unidos, 2017 Direção: Joachim Ronning e Espen Sandberg Com Johnny Depp, Javier Bardem, Geoffrey Rush, Brenton Thwaites, Kaya Scodelario, Kevin McNally, David Wenham, Golshifeth Farahani, Stephen Graham, Orlando Bloom Distribuição: Disney |