Foi paixão fulminante: Pamela Anderson, estrela da série Baywatch, e Tommy Lee, baterista da banda de metal Mötley Crüe, conheceram-se numa balada na virada de 1994 para 1995, reencontraram-se no México pouco depois e, após apenas quatro dias juntos, casaram-se — na praia, ele de bermudas e ela, de biquíni branco. Em um passeio de barco em Nevada, registraram alguns momentos de sua vida sexual em vídeo, e trancaram a fita no cofre que Tommy Lee tinha em casa, em Los Angeles. Em outra série de eventos que de início pouco teve a ver com essa, naquele mesmo início de 1995 Tommy Lee decidiu reformar sua mansão para acentuar o clima de romance dos aposentos do casal e deixou os empreiteiros meio loucos com suas repetidas e repentinas mudanças de planos. O relacionamento com a equipe azedou e um dos trabalhadores, Rand Gauthier, foi demitido sem receber pela mão de obra e pelos materiais. Quando Gauthier foi à mansão recuperar suas ferramentas, Tommy Lee o recebeu de espingarda no ombro. Aí o insulto se somou à ofensa, e o resultado foi um ciclone que varreu a vida do casal, arrasou Pamela — e revolucionou a internet.
Pam & Tommy (Estados Unidos, 2022), a minissérie cheia de verve que acaba de estrear no Star+, mapeia todos os fenômenos meteorológicos que, lá por 1996, afinal se combinariam nessa tempestade perfeita, do romance de vendaval que começou com Tommy Lee, extasiado, lambendo o rosto de Pamela de alto a baixo naquela balada ao tempo sempre cinzento da vida de Gauthier. Ao fundo, enquanto isso, dois sistemas climáticos se aproximavam um do outro — a indústria da pornografia e aquela novidade ainda meio misteriosa chamada world wide web.
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Pamela, encarnada por Lily James com uma semelhança física e de trejeitos que fazem o espectador esquecer que não é a própria que está ali — e com uma ingenuidade e uma meiguice que comovem —, e Tommy Lee, vivido por Sebastian Stan com rasgos de romantismo e entusiasmo que dão vividez e contrastes à persona de doidão com que o roqueiro se celebrizou, passaram o ano de 1995 no olho do furacão, sem o saber. Demorou meses para eles notarem que o cofre havia sido levado, e que o suspeito provável era o raivoso Gauthier (Seth Rogen encontra o timbre exato de ressentimento para o personagem).
Na condução vigorosa e atrevida do Craig Gillespie de Eu, Tonya e Cruella, que dá o tom aos outros diretores, e no roteiro do criador Robert Siegel, de O Lutador (2008), se o comportamento errático e os calotes de Tommy Lee irritavam Gauthier, ouvir o casal transando a todas as horas do dia o mortificava e aprofundava sua sensação de fracasso. Separado de uma atriz pornô (Taylor Schilling) — ele próprio era ator casual de filmes de sexo explícito — por quem ainda era apaixonado, sem grana e sentindo-se emasculado pelo modo como Tommy Lee o tratara, Gauthier concentrou na fita encontrada no cofre todo o seu desejo de vingança contra o músico.
C.J. Parker 446 – Baywatch – Funko Pop
Nem por um instante a certeza de que o estrago recairia sobre Pamela incomodou Gauthier; ao contrário, ela é que tornava a fita valiosa para ele. Tornada símbolo sexual por ensaios na Playboy, pelo maiô vermelho de Baywatch e pelos figurinos reveladores, Pamela teve seus direitos negados em todas as instâncias: na lógica machista, ela só teria a se culpar pela exposição do que nem sequer configurava intimidade, uma vez que ela já havia “mostrado tudo” antes. Nenhuma instância tripudiou tanto com ela, porém, quanto a pública: assim que as cenas caíram na rede então nascente e tiveram alcance multiplicado ad infinitum, a internet se descobriu como uma força de poder incontrolável. O mundo não foi mais o mesmo — mas de Pamela é que a culpa não é.
Publicado em VEJA de 9 de fevereiro de 2022, edição nº 2775
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