O Dia do Atentado
As bombas da Maratona de Boston, em mais uma parceria ágil entre Mark Wahlberg e o diretor Peter Berg

Peter Berg tem uma carreira interessante. Trabalhou muito como ator a partir do final dos anos 80, quase sempre em papéis secundários– um daqueles tipos magros mas fortes e de rosto cavado, que ficam com os tendões do pescoço à mostra, ele era especialista em personagens que irradiam uma energia tensa, em filmes como Fogo no Céu, Cop Land e Colateral. Em 2003, porém, Berg estourou como diretor: Bem-Vindo à Selva, uma pancadaria econômica e vigorosa com Dwayne Johnson (que então ainda atendia por The Rock), virou uma espécie de filme cult de raízes. De quebra, revelou Berg como um tipo de profissional que pode não ser o mais celebrado, mas é sempre muito requisitado no cinema americano – o diretor de ação ágil e vibrante, que sabe falar ao chamado “espectador médio” (a entidade que mais assombra e confunde os produtores de Hollywood), entende o artesanato do roteiro e trabalha muito bem com bons atores – além de incentivar atores assim-assim a se tornar atores competentes. De lá para cá, foi sopa no mel: Berg trabalha sem parar como diretor e também como produtor (por exemplo, das séries Friday Night Lights, Ballers e The Leftovers). E, na minha opinião, trabalha cada vez melhor. Se a primeira década dele como cineasta é irregular (vai do ótimo Tudo pela Vitória aos medianos O Reino e Hancock e termina com o fiasco Battleship – Batalha nos Mares), a fase que ele inagurou em parceria com Mark Wahlberg, em 2013, é sólida.

Berg descobriu que Wahlberg era sua nova inspiração com O Grande Herói, de 2013, que reconstitui a tentativa verídica – e malsucedida – de uma pequena unidade americana de arrancar os talibãs de um vilarejo afegão, numa operação que os expõe e os deixa à mercê do inimigo. É um filme de guerra de tom mais ou menos convencional, mas é feito com sangue nas veias. No ano passado, Berg dirigiu Wahlberg em Horizonte Profundo: Desastre no Golfo, que narra a explosão da plataforma de petróleo da BP, em 2010, do ponto de vista dos operários que estavam nela. O resultado é ao mesmo tempo muito digno e muito empolgante. E nesta semana entrou em cartaz aqui O Dia do Atentado, que segue essa mesma linha da recriação de um evento real pelo olhar do “sujeito comum” – as vítimas, os socorristas, os policiais e sobretudo o sargento Tommy Saunders (Wahlberg) envolvidos na explosão das bombas “sujas” caseiras dos irmãos Tsarnaev durante a Maratona de Boston, em abril de 2013.

O sargento Saunders é uma compilação fictícia de vários policiais que participaram do socorro às vítimas e, depois, da perseguição a Tamerlan e Dzhokhar Tsarnaev, nos dias seguintes. Os outros personagens, e os eventos que o filme descreve, são reais, e Peter Berg usa das suas costumeiras agilidade e economia para comprimir uma situação complexa, cheia de ramificações, em pouco mais de duas horas – sem pular nada de importante e sem perder tempo com o que não é essencial. É um filme sem gordura, só com músculos, feito com foco, concentração e tensão, e com um elenco excelente (confira abaixo, na ficha técnica). Como não se mexe naquilo que vai bem, Berg e Wahlberg já estão trabalhando em mais um filme juntos – Mile 22, em que um agente da CIA na Indonésia tem de colaborar com um policial local e desviar de um cipoal de corrupção de fazer páreo com o nosso.
Leia, a seguir, a resenha completa de O Dia do Atentado:
O HERÓI DO POVO
Em filmes como Horizonte Profundo e o novo O Dia do Atentado, o diretor Peter Berg põe sua fé – e seu norte ético – na decência do sujeito que trabalha duro todos os dias
Coadjuvante de carreira sólida, em 2003, com Bem-Vindo à Selva, o ator Peter Berg disparou numa outra carreira ainda mais prolífica: a de diretor de aventuras enxutas e musculosas que compõem uma defesa dos valores americanos mais arraigados. A paixão por esportes, a admiração cívica pelos agentes da lei, o respeito aos combatentes (mas nem sempre às guerras) e a desconfiança em relação ao big business são constantes no trabalho de Berg. Entretanto, desde que tomou uma invertida com a fantasia Battleship – A Batalha dos Mares, em 2012, e descobriu em Mark Wahlberg sua segunda musa (a primeira foi Dwayne Johnson), Berg refinou seu ideário. Com Horizonte Profundo: Desastre no Golfo, sobre a explosão da plataforma petrolífera da BP em 2010, e agora com O Dia do Atentado, ele vem ao mesmo tempo dedicando-se à crônica de momentos emblemáticos da história recente e reafirmando sua crença de que não há norte político e ético mais confiável do que a decência do sujeito que sai todos os dias de casa para trabalhar duro.

O Dia do Atentado, em cartaz a partir desta quinta-feira, acompanha junto com o policial Tommy Saunders (Wahlberg) a maratona de Boston de 2013, que as bombas caseiras dos irmãos Tamerlan e Dzhokhar Tsarnaev transformaram em carnificina. Do tumulto que se instaurou à perseguição aos Tsarnaev nos dias seguintes, Berg recria com pulso firme personagens e acontecimentos reais. Sua deferência vai para o pessoal do corpo a corpo – policiais, socorristas, cidadãos. É uma celebração dos indivíduos comuns, e da solidariedade entre eles, como a ideia real de nação. Pode até parecer fora de moda. Mas é honrado, e empolgante.
Isabela Boscov Publicado originalmente na revista VEJA no dia 10/05/2017 Republicado sob autorização de Abril Comunicações S.A © Abril Comunicações S.A., 2017 |
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O DIA DO ATENTADO (Patriots Day) Estados Unidos/Hong Kong, 2016 Direção: Peter Berg Com Mark Wahlberg, Kevin Bacon, J.K. Simmons, John Goodman, Jimmy O. Yang, Jake Picking, Rachel Brosnahan, Alex Wolff, Themo Melikidze, Melissa Benoist, Billy Smith Distribuição: Paris Filmes |