
ATENÇÃO: VOCÊ PODE ATÉ ACHAR QUE AQUI HÁ SPOILERS, MAS GARANTO QUE JÁ VIU TUDO ISSO ANTES. DEZENAS DE VEZES.
Saí do filme pensando naquelas cadeias americanas de restaurantes que oferecem comida típica rigorosamente despersonalizada e sempre igual em qualquer unidade da rede: assistir a esta segunda aventura do detetive e ex-militar Jack Reacher foi como jantar no Olive Garden, no Chipotle, no Benihana, ou no Red Lobster. Os ingredientes eram de boa procedência, a cozinha era eficiente e higiênica, não havia nada de errado com o sabor – mas também nada de minimamente criativo, ou singular, ou digno de nota. É comida que não inspira nem deixa lembrança, porque é indistinguível de tantas outras refeições.
O primeiro filme de Jack Reacher era uma bagunça sem liga (embora tenha feito boa bilheteria). Minhas expectativas, portanto, eram de melhora, já que a direção passou do irregular Christopher McQuarrie para o sólido Edward Zwick, de Diamante de Sangue. Erro meu. Eu deveria ter prestado mais atenção aos créditos de roteiro, encabeçados por Richard Wenk, um desses sujeitos que Hollywood adora justamente porque eles sabem aplicar o manual, direitinho, a qualquer filme que seja, sem nunca ter uma ideia própria que possa conturbar uma produção pré-embalada como esta aqui. Veja os trabalhos de Wenk – Os Mercenários 2, Assassino a Preço Fixo, O Protetor, 16 Quadras – e tente achar neles algum sinal de originalidade. Não há; o homem é o Olive Garden do roteiro de ação. Em qualquer unidade da rede, sai tudo igualzinho.
De forma que, do começo, quando Jack Reacher vai visitar sua amiga major Turner (Cobie Smulders) numa base militar e descobre que ela está presa, aguardando julgamento por traição numa corte marcial, já se avista a trama inteira, até láááá o final. Claro que a major é inocente (não, isto não é um spoiler), e que tem gente de alta patente armando para ela por ter descoberto tramoias que não devia. Adivinhe também se Reacher e Turner não vão ser perseguidos por um assassino profissional implacável, e se não vão ameaçar Reacher por intermédio de uma pessoa inocente. E, bocejo, imagine se Reacher não vai passar por todas as cenas regulamentares de fuga e perigo antes de desbaratar a quadrilha de bandidos.
Em retrospecto, o primeiro Jack Reacher pelo menos tinha alguma personalidade. Tinha, por exemplo, equívocos interessantes, como a escalação do cineasta alemão Werner Herzog no papel de vilão, e uma cena muito muito boa, em que toda a ação era vista pela mira do rifle de um atirador. Mas, em Jack Reacher: Sem Retorno, a pasmaceira do roteiro dá o timbre geral. Vindo de dois excelentes Missão: Impossível, Tom Cruise aqui não tem um instante sequer daquela fagulha que faz com que ele ainda seja, aos 54 anos, Tom Cruise. Edward Zwick filma ação eficiente porém monótona: todas as sequências são prestativas, mas nenhuma se destaca. Há uma adolescente na trama (Danika Yarosh) que foi tirada daquela cartilha gasta de adolescentes rebeldes mas valentes porque, veja só, foi por ter que se defender sozinha na vida que ela ficou assim. Rola um clima entre Reacher e a major, mas só clima – Reacher, afinal, é um lobo solitário. E há uma cena de perseguição no meio de um Halloween em Nova Orleans que eu já vi umas três dezenas de vezes, em versões bem melhores, pelo menos desde Easy Rider. Nem todo filme consegue ser criativo, claro. O pecado é nem tentar, e mobilizar tanta gente competente para fazer um filme estudadamente insosso e medíocre.
Trailer
JACK REACHER; SEM RETORNO (Jack Reacher: Never Go Back) Estados Unidos, 2016 Direção: Edward Zwick Com Tom Cruise, Cobie Mulders, Aldis Hodge, Danika Yarosh, Patrick Heusinger, Holt McCallany, Madalyn Horcher, Robert Knepper Distribuição: Paramount |