Invasão Zumbi
Não, o título não diz tudo sobre este formidável thriller/horror/drama sul-coreano
Um pai distante, com tempo só para o trabalho, pega a filha pequena para levá-la de trem de Seul até Busan, onde mora sua ex-mulher. Antes mesmo de eles chegaram à estação para iniciar o trajeto de 400 e tal quilômetros, percebe-se uma perturbação rolando na cidade – e, mal eles embarcam, a epidemia eclode de vez, transformando ordeiros e educados sul-coreanos em predadores irracionais e famintos.
Bom, pensei, muito legal, mas quanta coisa será que dá para inventar com zumbis num trem que ocupe duas horas inteiras de filme? A resposta é, dá para inventar coisa que não acaba mais. Este é o primeiro filme em live-action do diretor e roteirista Sang-ho Yeon, mas ele traz para cá toda a imensa criatividade e o senso de ritmo do seu trabalho anterior em longas de animação de suspense/drama/horror (um deles, aliás, se chama Seoul Station, e também trata da erupção de uma epidemia zumbi). Os mortos-vivos são um primor: as posturas retorcidas, com os membros e o pescoço em ângulos anormais, os sons guturais – é ao mesmo tempo repugnante e fascinante. E, quando vão se juntando em bandos, eles adquirem um comportamento coletivo que me botou para pensar: onde é que eu já vi isso antes? A certa altura, me dei conta. Não sei se você já viu alguma vez um ninho de ratazanas; eu já tive esse desprazer, e é igual – os bichos se empilhando uns sobre os outros, se atropelando, entrando e saindo de formação. Da concepção à execução, a coreografia é de deixar o cabelo em pé. E Yeon é ainda um desses talentos naturais para o enquadramento. Dá vontade de voltar ao início e congelar o filme segundo a segundo, para admirar o apuro dele.
Não é só a ação, porém, que escala em níveis extraordinários em Invasão Zumbi. Cineastas de animação têm o hábito da economia; sabem que nenhum segundo pode ser desperdiçado, e cada frame tem que servir para várias coisas ao mesmo tempo. Yeon compacta ação, horror, tensão e drama – muito drama – com um desenvolvimento de personagens muito acima da média para um filme de gênero. No centro de tudo, está o relacionamento de Seok (Yoo Gong) com a pequena Soo-an (Soo-an Kim), que vai de zero a cem durante o trajeto: Seok parte da indiferença quase absoluta e chega até o vínculo mais profundo com a menina, passando por todas as fases da dinâmica paterna, à medida que a situação aperta. À volta deles, outros personagens vão despontando e ganhando importância (e, claro, às vezes sumindo de cena de forma bem abrupta) – a grávida casada com um fortão boa-praça, os adolescentes de uma excursão, um quarentão mau-caráter, duas irmãs idosas, o maquinista.
Na última cena, depois de uma sequência de imaginação e nervosismo incalculáveis, caí no choro. Sang-ho Yeon é um monstro de criatividade. E, como a maioria dos bons diretores sul-coreanos, não tem a menor dó nem dos seus personagens, nem dos seus espectadores. O que, claro, é a razão pela qual a Coreia do Sul faz hoje um dos cinemas mais originais e excitantes do mundo. Não conhece? Então vai aí uma lista de meia dúzia de sul-coreanos imperdíveis para você procurar nas plataformas digitais e/ou em DVD.
1. O HOSPEDEIRO (2006)
Uma espécie de bagre/lagarto gigante se cria nas águas do Rio Han e cata a filha do atrapalhado Gang-Du (o magnífico Kang-ho Song) durante uma confusão num parque – para mim, uma das sequências mais sensacionais do século. Uma obra-prima do diretor Joon-ho Bong.
2. MEMÓRIAS DE UM ASSASSINO (2003)
Outra obra-prima de Joon-ho Bong: num vilarejo rural, os despreparados policiais provincianos (Kang-ho Song é um deles) tentam resolver uma série de homicídios de meninas. Assim como em O Hospedeiro, Bong consegue virar do pastelão para a tragédia mais cortante no espaço de um segundo, dentro do mesmo movimento de câmera.
3. ZONA DE RISCO (2000)
Na fronteira da Coreia do Sul com a Coreia do Norte, um punhado de guardas que deveriam ser inimigos e se vigiar ininterruptamente trava uma camaradagem secreta. Não, isso não vai acabar bem. Chan-yook Park manda maravilhosamente no drama antes de ficar famoso com a Trilogia da Violência.
4. OLDBOY (2003)
O protagonista vivido pelo genial Min-sik Choi passou quinze anos trancado num quarto, sem saber por quem nem por quê. Quando seu captor um dia deixa a porta aberta – também por razão desconhecida –, o capturado sai estraçalhando. Literalmente. Uma das mais intrigantes e impactantes criações de Chan-yook Park e do cinema sul-coreano em geral.
5. O CAÇADOR (2008)
No filme de estreia do diretor Hong-jin Na, em pouco tempo o assassino já foi capturado pelo cafetão e ex-policial Jung-ho, que já arrancou dele uma confissão – e aí é que a coisa vai esquentar de verdade.
6. UM DIA DIFÍCIL (2014)
Uma noite de pesadelo para o policial Go: sua mãe morreu e está sendo velada; sua unidade na delegacia está sendo investigada por corrupção; e ele acabou de atropelar e matar um sujeito numa rua deserta – e cada problema que ele resolve faz com que outros dois apareçam em seu lugar no exímio thriller cômico do diretor Seong-hun Kim.
Trailer
INVASÃO ZUMBI (Train to Busan/Busanhaeng) Coreia do Sul, 2016 Direção: Sang-ho Yeon Com Yoo Gong, Soo-an Kim, Yu-mi Jung, Dong-seok Ma, Ei-sung Kim, Woo-sik Choi, Sohee, Gwi-hwa Choi Distribuição: Paris Filmes |