Se você era um ser vivo e consciente em 1990-1991, sabe que a grande pergunta daquele começo de década era “Quem matou Laura Palmer?”. Se você ainda estava por acontecer e não teve a oportunidade de entrar em parafuso com o misterioso assassinato de uma garota encontrada embrulhada em plástico na praia de uma cidadezinha americana, talvez esteja curioso para entender por que tanto bafafá em torno da volta de uma série 25 anos depois. Ou talvez já tenha começado a conferir os novos capítulos que estão pingando na Netflix, o que só aumentou a sua confusão; que raio de história é essa? Pois não se preocupe: até hoje ninguém foi capaz de explicar – nem essa história, nem quase nenhuma outra do diretor David Lynch. E essa é a graça da coisa. Mas aí vão algumas dicas e considerações para aproveitar melhor a experiência:
1. Os episódios originais são indispensáveis – mas, por outro lado, não são.
A fase original de Twin Peaks foi revolucionária à sua época porque quebrou – ou melhor, jogou pela janela – todas as regras da televisão que se fazia então. Mas, vista hoje, ela mostra a idade; há coisas na série que não envelheceram muito bem. Assistir à primeira fase dá ao espectador mais contexto e o familiariza com os personagens que estão de volta. Mas, verdade verdadeira, não esclarece muita coisa.
2. Não é só você que está perdido.
Quando entrevistaram Laura Dern sobre o trabalho dela em Império dos Sonhos, de 2006, ela disse que interpretava três personagens no filme. David Lynch retrucou que não, eram quatro personagens. Eles nunca conseguiram decidir quem tinha razão (eu acho que são três, mas…). Por aí você vê: entender o que se passa na trama está longe de ser a coisa mais importante em Twin Peaks. Até porque “trama” não é uma palavra que se aplica com facilidade ao que rola na tela.
3. Tenha paciência.
Nos quatro capítulos da nova fase já disponíveis na Netflix, a sensação é de que nenhum fio da narrativa tem muita relação com o outro, e tudo é desconexo. É assim mesmo. Em vez de resistir, entregue-se: se a sorte e o seu temperamento ajudarem, em pouco tempo você vai estar hipnotizado com a caixa de vidro vazia que tem de ser vigiada o tempo todo, o quarto vermelho em que o agente Dale Cooper está preso há 25 anos e onde todo mundo fala de um jeito muito estranho (as falas e as atuações são gravadas de trás para a frente), as mensagens da Mulher do Tronco, o duplo malvado de Cooper que anda barbarizando em Twin Peaks, as pessoas com caras esquisitíssimas (no sentindo literal) que ele encontra para pôr em cena.
4. Prepare-se para sensações fortes e sentimentos estranhos.
David Lynch é um sujeito que não tem medo de deixar o inconsciente aflorar – e ele faz questão de arrastar você junto com ele para essa corrente subterrânea. Às vezes você nem consegue pôr em palavras a razão pela qual uma imagem é tão perturbadora, mas o seu corpo vai saber o que está sentindo: quando você menos espera, vem um aperto na boca do estômago, ou um suor frio nas mãos e na testa, ou ainda uma vontade danada de sair correndo e fugir daquilo. Fique. Esse poder de entrar na sua cabeça e mexer com ela é que tornou Lynch um cineasta tão celebrado.
5. Às vezes, a surpresa é o papo reto.
A carreira de Lynch tem duas exceções notáveis a esse estilo de fluxo do inconsciente: O Homem Elefante, de 1980, e A História Real, de 1999 – ambos com começo, meio e fim, e tão excelentes quanto qualquer outra coisa que ele tenha feito (embora não tão interessantes). O fato é que Lynch é ótimo também de melodrama, no sentido clássico do termo, e às vezes ele usa esse talento até em coisas viajandonas como Twin Peaks. Um exemplo? A cena do primeiro episódio original, em que a mãe de Laura Palmer recebe a notícia da morte dela, é de fazer inveja até aos mestres do melô dos anos 50.