Em maio de 2014, quando Frozen havia já chegado ao topo de sua escalada de 1,27 bilhão de dólares na bilheteria, o colunista Joel Stein publicou na revista Time uma divertida crônica a respeito dos sintomas de stress traumático manifestados por seu filho de 5 anos: onde quer que o pequeno Laszlo estivesse, fosse na pré-escola ou brincando na casa de coleguinhas, as princesas Elsa e Anna estavam também – na tela da TV, no rádio, nas roupas das outras crianças, na lição da professora, nas conversas. A qualquer momento, em qualquer lugar, um grupo de meninas poderia irromper nos acordes da canção Let It Go (na versão nacional, Livre Estou), aumentando perigosamente o volume nas proximidades do refrão. Laszlo tremia, tapava os ouvidos e, segundo seu pai, usou o verbo “odiar” pela primeira vez na vida. “Era tudo perfeito antes de o filme existir”, lamentava o garoto. Evidentemente, Laszlo fazia parte de uma minoria exígua em sua faixa etária (e não só nela): Frozen é um dos mais acabados exemplos recentes da reação química imprevisível que às vezes se forma entre um filme e o público, capaz de tal aceleração que a impressão que se tem é de que aquela nova substância está em toda parte. A habilíssima máquina de promoção da Disney serve a todos os seus lançamentos; mas só um ou outro dos desenhos produzidos pelo estúdio vira um fenômeno como A Bela e a Fera, ou O Rei Leão, ou Frozen. Agora, tentar fazer com que o raio caia duas vezes no mesmo lugar é o que a Disney se propõe com Frozen 2 (Frozen II, Estados Unidos, 2019), que estreou no país em 1º de janeiro.
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O primeiro Frozen é um caso daquilo que se chama de movie magic, quando a competência, a imaginação e o acaso conspiram entre si para produzir um instante perfeito de mágica cinematográfica. (O romance Casablanca ou ET — O Extraterrestre são outros casos que ajudam a ilustrar essa conjunção rara.) O enredo era de criatividade admirável: jogava para a plateia a isca do romance entre um príncipe e uma princesa para então reverter todas as expectativas, centrando a emoção na durabilidade, contra todos os reveses, do amor fraterno. O personagem responsável pelo “alívio cômico”, como se diz no jargão, era absolutamente adorável — o boneco de neve Olaf, que sonha com abraços calorosos e tira de letra qualquer coisa ruim que lhe aconteça. A atormentada princesa Elsa e a avoada princesa Anna eram, cada uma à sua maneira, um encanto. A animação, um deleite em si só, trazia a Disney no seu momento mais ambicioso, perfeccionista e inspirado. A música era um estrondo, como se sabe. E, ocupando o espaço entre esses elementos e unindo-os todos, havia aquele quê indefinível. Em Frozen 2, o cuidado se repete, e tudo o que pode ser planejado, programado e lapidado está no devido lugar — exceto pelas canções, bem aquém do repertório original, e justamente por aquela centelha que fizera o primeiro filme adquirir vida própria.
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Frozen nunca foi pensado como o marco inicial de uma franquia; ao contrário da tradição cultivada pela Pixar, com seus vários Toy Story, Carros etc., a Disney não costuma desdobrar seus títulos em sequências (embora goste de refazê-los, como nos casos das recentes versões live-action de seus desenhos). Se o primeiro filme terminou com a paz reinando entre as irmãs Elsa e Anna em sua Arendelle, agora o caos novamente se insinua: a toda hora, Elsa ouve um chamado etéreo que a leva a ir atrás da origem de seus poderes de gelo e a colocar a si mesma, e a todos os demais, em perigo. Se Anna é a personagem mais cativante, Elsa é sempre a mais instigante — uma mulher que nunca está totalmente confortável consigo mesma e que exibe ao mesmo tempo vontade e medo de conhecer os segredos que guarda (nenhum deles de natureza sexual, para decepção da comunidade LGBT).
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Frozen 2 não tem o apelo direto e visceral de seu antecessor, mas não há dúvida de que a vitalidade de Frozen é mais do que suficiente para carregar também esta continuação. Lançado nos Estados Unidos em 22 de novembro e em exibição em boa parte dos territórios internacionais, Frozen 2 já acumula 1,1 bilhão de dólares na bilheteria mundial. O mais relevante é que sua audiência tem caído muito pouco de um fim de semana para outro, o que é sinal inequívoco de que um filme tem “pernas” e vai longe em cartaz — mas somente até certo ponto. Ciosa do legado sentimental que seus desenhos deixam, a Disney fará o que for necessário para manter intacto este castelo de gelo. Mesmo que o necessário para isso seja nada fazer, e impedir que Frozen 2 deságue em um Frozen 3.
Publicado em VEJA de 8 de janeiro de 2020, edição nº 2668
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