August “Auggie” Pullmann conta que tem 10 anos e já passou por 27 cirurgias; agora consegue mastigar melhor, ouvir sem a ajuda de um aparelho e tem feições bem mais normais do que antes – embora continuem causando espanto em desconhecidos e especialmente em crianças, em geral menos treinadas que os adultos em disfarçar seu desconforto. Por isso, de tanto olhar para baixo para fugir dos olhares insistentes, diz Auggie, ele aprendeu a adivinhar muito sobre as pessoas pelos sapatos que elas usam. Falando pelos cotovelos, com o jeito fofo e articulado de Jacob Trembay – o garoto a quem muita gente quis dar um Oscar por O Quarto de Jack –, Auggie é um conquistador nato de espectadores: a criança que convive com um drama terrível mas tem personalidade exuberante, senso de humor e não mostra pena de si mesma. Uma criança ao mesmo tempo sensível e valente, enfim, que comove com a determinação com que enfrenta o teste dificílimo de sair sozinha ao mundo real. É, em muitos sentidos, um conto de Natal, que apela aos melhores sentimentos.
Adaptado do best-seller homônimo da autora americana R.J. Palacio e dirigido pelo escritor/cineasta Stephen Chbosky, do excelente As Vantagens de Ser Invisível, Extraordinário tem mais delicadeza e mais competência do que seria de se esperar num gênero que raras vezes se dá o trabalho de ir além da chantagem emocional. Pela primeira vez, Auggie vai frequentar a escola, junto com outras crianças, e o roteiro não o poupa da mortificação que suas deformidades faciais provocam. Mas também não vilaniza a confusão dos outros alunos diante do seu aspecto – a qual cobre vários pontos no espectro, da curiosidade e do desconcerto até a repugnância e a crueldade. Até ali, Auggie foi ensinado em casa, pela mãe (Julia Roberts), e zelosamente escoltado por ela, pelo pai (Owen Wilson) e por sua irmã mais velha, Via (Izabela Vidovic), nas suas saídas à rua (e está aí uma das omissões ao mesmo tempo caridosas e insinceras do filme: antes das dezenas de cirurgias, as deformidades dos casos graves da síndrome de Treacher Collins, de que ele sofre, teriam provocado algum choque até nas pessoas mais determinadas a não demonstrar sua consternação). Agora, Auggie está por conta própria. E, apesar da sensatez com que o diretor e o professor procuram enturmá-lo, vai enfrentar indiferença, bullying, decepções. Vai também, aos trancos e barrancos, encontrar um grande amigo em Jack Will (o absolutamente adorável Noah Jupe) – e depois outro, e mais um, e ao final vários amigos, a maioria deles “convertidos” entre o grupo que zombava dele.
Esse em geral é o trunfo e também a fraqueza desse gênero de filme – elevar ao patamar de missão a ideia de que a tragédia de um indivíduo tem um valor espiritual em si, e pode ensinar lições importantes as pessoas à volta dele e torná-las melhores. Extraordinário se aferra a essa mesma ideia. Mas, pelo menos, com seu jeito mais franco e mais dosado no sentimentalismo, abre um bom espaço para outros personagens, a fim de lembrar que as crianças e os adolescentes todos sofrem, cada um à sua própria maneira, ao sair da redoma da família e ingressar na atmosfera atordoante da vida.
Curiosidade: A personagem de Julia Roberts, pelo jeito, é brasileira: sua mãe é interpretada por Sonia Braga (com uma única cena no filme), e a certa altura diz que vai fazer uma feijoada.
Trailer
EXTRAORDINÁRIO (Wonder) Estados Unidos, 2017 Direção: Stephen Chbosky Com Jacob Tremblay, Julia Roberts, Noah Jupe, Izabela Vidovic, Owen Wilson, Bryce Gheisar, Elle McKinnon, Mandy Patinkin, Daveed Diggs, Millie Davis, Ty Consiglio Distribuição: Paris Filmes |