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Elle

Isabelle Huppert + Paul Verhoeven: prepare-se para emoções fortes e completamente imprevistas

Por Isabela Boscov Atualizado em 12 jan 2017, 17h19 - Publicado em 18 nov 2016, 18h05
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  • Quando vi A Professora de Piano, no comecinho de 2002, achei que seria impossível haver um emparelhamento mais infernalmente sensacional do que aquele – o de Isabelle Huppert, a atriz que não tem medo de nada, com o austríaco Michael Haneke, o cineasta que não tolera hipocrisias e sempre vai pegar onde dói mais. Em A Professora de Piano, Isabelle tira cinco minutos, antes do jantar, para ir mutilar seus genitais com uma gilete no banheiro, e entra numa relação masoquista doentia, e ultra-erótica, com um aluno. Não posso imaginar outra atriz que teria a coragem de encarar sem qualquer reserva uma personagem com essa. Exceto pelo fato de que ela existe: é a própria Isabelle, quatorze anos mais velha e ainda mais destemida, que agora achou um cineasta ainda mais afrontador e confrontador com o qual trabalhar – o holandês Paul Verhoeven, que nunca encontrou uma perversão (de qualquer ordem, não só sexual) que não quisesse examinar mais de perto, nem um pudor que não quisesse ultrajar e, por garantia, pulverizar.

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    Verhoeven sempre foi até as últimas consequências – na violência, em Robocop; no sexo (com violência) em Instinto Selvagem; no sexo como mercadoria, no pouco apreciado e sempre digno de revisão Showgirls; na estupidez militarista e da supremacia racial, em Tropas Estelares; na corrupção dos movimentos de resistência, em Vingador do Futuro. E reparem que fiquei aí só na fase americana e de ótima bilheteria da carreira dele (Verhoeven filma que é uma coisa, e seus filmes sempre foram também diversão barulhenta, corrosiva e bombástica). A fase holandesa, igualmente magnífica, tem coisas de arrepiar os cabelos. E, agora, depois de dez anos oficialmente fora da ativa desde o fabuloso – e holandês – A Espiã (ele fez um outro filme nesse meio tempo que mal obteve distribuição), Verhoeven volta a dirigir, com força redobrada, em Elle, o candidato francês a uma vaga nas indicações para o Oscar 2017 de produção estrangeira.

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    Em Elle, Isabelle Huppert é Michèle Leblanc, uma empresária da área de games que pede sempre a mesma coisa quando sua equipe mostra a ela os protótipos de novos jogos: mais sexo, mais violência, mais sexo com violência – e aí olha para a rapaziada com uma cara muito francesa de quem diz, “mas será que todo mundo aqui é burro e eu ainda preciso falar o óbvio?”. Michèle é de um pragmatismo contumaz: ela acabou de ser estuprada em sua própria casa, por um sujeito vestido de preto, o rosto coberto por um capuz, mas nem em sonho que ela vai deixar um fato como esse influenciar seu senso prático. Às vezes, uma ou outra imagem do estupro invade a consciência de Michèle, mas ela as põe de lado, sem muita dificuldade nem muito sofrimento. Mais do que tudo, ela parece sentir curiosidade sobre a identidade do agressor. Verhoeven é tido como um cineasta sem finesse, mas veja só a sutileza na maneira como, em um jantar a quatro, Michèle anuncia o acontecido aos amigos (que calham de ser sua sócia, o marido dela, que em segredo é seu amante, e seu ex-marido): “Acho que fui estuprada” – acho. Guarde essa palavra com você; ela vai fazer diferença. E este é um bom momento para avisar que Elle não é um drama. É um suspense erótico e uma comédia de humor negro.

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    Michèle tem um passado que é uma barra. Quando ela tinha 10 anos, seu pai cometeu uma série de crimes horripilantes. Acredita-se que ela tenha tido alguma participação neles. De qualquer modo, ela nunca mais quis ter nenhum contato com o pai, preso desde então e agora muito idoso. Mas não mudou o sobrenome; sempre ostentou o estigma associado a ele. É impossível saber em que medida o peso dessa associação fez de Michèle o que ela é, e isso é parte do que a torna fascinante: sua franqueza agressiva e sua absoluta falta de consideração para com os sentimentos dos outros – incluindo-se os do filho e os da mãe idosa, que sustenta michês em troca de sexo –, por exemplo. Talvez a convivência com as suspeitas em torno dela tenha aniquilado em Michèle qualquer respeito pelos pequenos fingimentos que lubrificam as relações sociais; se ela sobreviveu, os outros que sobrevivam também.

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    Mas talvez, de alguma maneira fundamental, Michèle se dedique a suscitar reações de agressividade, desprezo, desrespeito e violência contra si porque se compraz nelas, ou as considera mais limpas e honestas. Quando descobre a identidade do seu agressor, por exemplo, Michèle faz a última coisa que se imaginaria. Ela é em boa medida indecifrável – e só isso, a capacidade de Isabelle e de Verhoeven de torná-la infinitamente interessante, já é uma façanha no cinema de hoje, tão preocupado em ser cordato, apaziguador, correto, moral e conciliador. As pessoas são abismos, e é um alívio que ainda haja cineastas e atores com coragem para fazer filmes que não acham necessário resolvê-las, justificá-las, desculpá-las ou melhorá-las, mas que simplesmente reconhecem que elas são como são, e as abraçam do jeito que são. (Verhoeven tinha pensado em fazer o filme com Nicole Kidman e dinheiro americano; teria sido um desastre.) Nunca dou nota para filmes, mas para Elle vou abrir uma exceção e cravar, entre 0 e 10, nota 12.


    Trailer

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    ELLE
    (França/Alemanha/Bélgica, 2016)
    Direção: Paul Verhoeven
    Com Isabelle Huppert, Laurent Lafitte, Charles Berling, Judith Magre, Anne Consigny, Christian Berkel, Jonas Bloquet, Alice Isaaz, Virginie Efira
    Distribuição: Sony Pictures
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