Impacto Profundo
Partidário do #vem meteoro? Pois este filme sugere que essa saída não é nem rápida nem fácil – bem ao contrário. Quando um jovem astrônomo amador (Elijah Wood) detecta por acaso um cometa gigantesco em rota de colisão com a Terra, governos fazem projeções, e elas resultam terríveis; planos são traçados, e falham; regras são impostas, e de nada adiantam. Finalmente, o desânimo e então o pânico se instalam: mais drama do que propriamente filme-catástrofe (embora tenha algumas cenas ainda hoje bem impressionantes), Impacto Profundo tem ótimo elenco, com destaque para Morgan Freeman como o presidente americano – e tem também um ritmo diferente e uma grande disposição de não ceder de cara aos clichês do gênero (a alguns, é verdade, ele não resiste). Ficam duas certezas: eventos com potencial para extinção não são brincadeira – e os seres humanos definitivamente não foram programados para lidar com a ideia do fim.
Mar em Fúria
Segundo o autor americano Sebastian Junger, não há força mais poderosa na natureza do que um furacão em sua plenitude. Sozinho, ele devora a mesma quantidade de energia que seria liberada pela explosão conjunta do arsenal nuclear dos Estados Unidos e da ex-União Soviética, escreve Junger no best-seller A Tormenta. Imagine então três desses superfuracões colidindo nos céus. Trata-se de um verdadeiro apocalipse, que os seis marujos do pesqueiro Andrea Gail tiveram o infortúnio de experimentar na pele, em 1991. A tragédia real desses pescadores é o tema do diretor Wolfgang Petersen, que despontou com O Barco – Inferno no Mar. George Clooney interpreta o calejado capitão do pesqueiro, e os efeitos especiais são estupendos ainda hoje: vagalhões de 30 metros de altura, ventos de 170 quilômetros por hora, embarcações jogadas para cá e para lá num cenário de aterradoras montanhas de água – compensação mais do que suficiente para um tantinho de enrolação no começo e outro tanto de chororô no final.
Assunto de Família
Osamu e sua mulher, Nobuyo, não são pessoas muito honestas nem esforçadas: ambos têm empregos que levam daquele jeito, mas ficam felizes mesmo é quando roubam pequenos itens – um xampu, um salgadinho – das lojas, não raro com a participação do filho pequeno. Junto com outra parente, eles se apinham na casa da avó, em meio a uma bagunça tão compacta que quase pode ser dividida em estratos geológicos. Mas o clã Shibata não é gente má. Eles se amam uns aos outros com uma alegria gentil, e imediatamente começam a amar também Yuri, de 5 anos (a fofésima Miyu Sasaki), que encontram passando frio na varanda dos pais e levam consigo para casa. O jantar vira um pernoite; o pernoite vira meses: Yuri é quietinha, esperta (tem um dom natural para furtar, aliás) e é também uma criança abusada pelos pais. Por que não deveria ficar com quem a ama e a trata com carinho? Durante noventa de seus 121 minutos, o filme cerca o espectador do mesmo conforto e graça que Yuri agora desfruta – para então, no ato final, acertá-lo no coração com a tragédia funda e calada que o diretor Hirokazu Koreeda sempre soube existir no interior dessa história. Merecidamente, venceu da Palma de Ouro em Cannes.
O Contador
Basta Chris Wolff passar os olhos por um livro-caixa ou uma planilha de custos, e pronto – não importa quão truncados ou adulterados os números estejam, eles se rendem e entregam seus segredos a Chris, um autista funcional com extraordinária habilidade matemática. Mas este não é um filme sobre a vida interior de um homem que comunica com números as emoções que não sabe expressar de outra forma: é um thriller de ação estrelado por Ben Affleck e dirigido com performance atlética por Gavin O’Connor, de Guerreiro e Em Busca da Justiça. Não deve ser levado a sério, e vai ficando melhor quanto menos a sério se o leva. Chris ganha fortunas fazendo a contabilidade de organizações criminosas e terroristas. Sobrevive a essa clientela porque é um tipo impassível e tem planos B, C e D para qualquer contingência. Mas acabou de entrar na mira do Tesouro, e precisa procurar um cliente legítimo. E, lógico, é aí que os problemas começam, com times de assassinos despachados para dar cabo de Chris – que, no entanto, foi treinado pelo pai militar em tudo e qualquer coisa e é um ninja quando larga a calculadora. Absurdo, e também delicioso.
Loving – Uma História de Amor
Em 1958, os recém-casados Mildred e Richard Loving (Ruth Negga e Joel Edgerton) foram acordados no meio da noite pela polícia e levados à prisão: apesar de numerosas decisões da Suprema Corte americana contra a segregação racial, no Estado da Virgínia o casamento interracial continuava a ser crime. Mildred, negra, e Richard, branco, passaram a década seguinte enfronhados numa batalha judicial histórica. O diretor Jeff Nichols conta essa história com restrição maior do que a de seus melhores filmes, como O Abrigo e Destino Especial. Mas sua intimidade com os ritmos do Sul ainda assim o destaca. Michael Shannon de novo rouba a cena, em um pequeno papel como um fotógrafo da revista Life que vai documentar a vida do casal
Chumbo Grosso
Por causa de seu excesso de eficiência, que pega muito mal para o restante da corporação, um sargento de polícia é demovido de Londres para uma idílica aldeia interiorana – onde começa a prender todo mundo, pelas menores infrações, embora a taxa de crimes do local seja zero. Seu zelo, porém, rende uma descoberta: uma estapafúrdia conspiração dentro da associação de moradores. Depois de satirizar os filmes de zumbis em Todo Mundo Quase Morto, o diretor Edgar Wright e os atores Simon Pegg e Nick Frost parodiaram aqui as fitas de ação como Bad Boys, carregando no absurdo e no homoerotismo, que, sem querer ou querendo, é uma marca registrada do gênero. É menos brilhante do que Todo Mundo, mas não deixa de ser um programa excelente.
O Informante
Cigarro vicia. Mais: é feito para viciar. Não há fumante, hoje, que duvide disso. Mas mesmo uma verdade tão simples pode ter de percorrer caminhos tortuosos para vir a público. É o que mostra este filme tenso à maneira dos thrillers políticos dos anos 70, que narra um episódio verídico. Em 1993, Jeffrey Wigand (Russell Crowe), cientista e alto executivo de um dos grandes fabricantes americanos de tabaco, é demitido do emprego – mas não sem antes ser amordaçado por um pacto de sigilo que o proíbe de revelar os truques do seu ramo. A consciência, porém, lhe dói. Entra em cena Lowell Bergman (Al Pacino), produtor do programa jornalístico 60 Minutes. Percebendo a agitação de Wigand, ele se empenha em convencê-lo a revelar seus segredos. Pacino vem intenso como o repórter briguento. Pesado e envelhecido, Crowe é uma bomba-relógio no papel de Wigand. O grande Michael Mann dirige no máximo de seu vigor: focalizando sempre os personagens em primeiríssimo plano, o que aguça seu isolamento, sua câmera não encontra descanso.
Hellboy II – O Exército Dourado
Em tempos imemoriais, uma guerra entre elfos e seres humanos terminou com uma trégua: o Rei Balor guardou para sempre seu exército de máquinas douradas e deixou a Terra para os homens. Uma coroa foi quebrada e dividida entre os oponentes, para que nenhum lado pudesse reiniciar o conflito. Não, porém, com a anuência do príncipe Nuada, o herdeiro de Balor, que odeia os homens e a destruição de que eles são capazes. Algo acontece então no presente que dará a Nuada a chance de levar seus planos a cabo; e caberá a Hellboy (Ron Perlman), sua namorada Liz (a adorável Selma Blair) e seu amigo Abe Sapien (o poético homem-peixe interpretado por Doug Jones) frustrar esses planos. Ou seja, o de praxe – não fosse o sentido de drama e a criatividade tão copiosa do diretor Guillermo del Toro. O tema clássico de um mundo que tem de desaparecer para dar lugar a outro aqui é explorado na atuação repleta de presença do popstar inglês Luke Goss no papel de Nuada. E, como sempre, Del Toro conjura suas imagens poderosas: mecanismos de relógios, pessoas que são máquinas antiquadas, monstros que têm os olhos fora do rosto, criaturas que combinam a forma humana a elementos da natureza e seres vindos de tradições diversas do inferno. Esqueça o novo e péssimo Hellboy: isto aqui é que é.
O Silêncio do Céu
A primeira cena é de uma brutalidade terrível: dois homens estupram Diana (Carolina Dieckmann) em sua casa em Montevidéu. Quando eles se vão, Diana põe os lençóis para lavar, arruma tudo, toma banho, recompõe-se, liga para o marido, pede que ele pegue as crianças na escola. Sobre o estupro, nenhuma palavra, nem ao telefone nem mais tarde, quando Mario (Leonardo Sbaraglia) chega para o jantar. Mario acha Diana abatida, ela diz que está para ficar gripada. Ele acorda com os pesadelos dela, ela diz que foi um sonho qualquer. São muitas as razões pelas quais uma vítima pode preferir nada dizer – vergonha, choque, desejo de esquecer. Mas qual a razão de Diana, especificamente? O silêncio dela pesa sobre o marido: ele tem seu próprio segredo a respeito do que aconteceu. Terrores e inquietações foram sempre as matérias-primas do diretor Marco Dutra, de Trabalhar Cansa (em parceria com Juliana Rojas) e Quando Eu Era Vivo. Mas, aqui, eles não são sobrenaturais; vêm das coisas reais e dos fantasmas criados pela violência.