“Black Summer”: no fim do mundo, prefira calçados confortáveis
Série que acaba de entrar na Netflix tem zumbis ultravelozes e é um prólogo dramático para a escrachada “Z Nation”

Não existe paisagem mais artificial e perturbadora do que os subúrbios americanos, aqueles guetos de classe média nos quais, durante o dia, toda a população masculina se ausenta para ir trabalhar e o único tráfego é o de minivans dirigidas por mães taxeando crianças e adolescentes para lá e para cá. É nessa cenário ordeiro que começa Black Summer – exceto pelo fato de que, ao amanhecer, uma sirene toca e as ruas vazias de repente são tomadas por gente correndo feito doida: gente ainda viva (um estado bastante provisório) querendo chegar aos caminhões de evacuação do Exército, e gente morta-viva (um segmento em franca expansão) disparando com velocidade e ferocidade espantosas atrás do seu café da manhã. São oito episódios de pouco mais de meia hora, e cada um deles é partido num punhado de sequências: o primeiro apresenta alguns dos personagens, como Rose (Jamie King), cuja filha pequena foi evacuada sozinha para um estádio; Ryan (Mustafa Alabssi), um rapaz surdo que sobrevive porque Sun (Christine Lee), uma moça coreana que não fala inglês, decide arrastá-lo consigo; Spears (Justin Chu Cary), que veste uniforme militar mas na verdade é um criminoso que escapou dos soldados; ou Barbara (Gwynith Walsh), uma senhora muito educada que consegue se atrelar a Velez (William Velez), um sujeito forte e que pensa rápido.

Todos os personagens querem chegar ao estádio, no centro da cidade, em que o Exército está concentrando os sobreviventes; para isso, eles têm que atravessar os subúrbios e então a periferia urbana – e, à progressão geográfica, corresponde uma regressão social: à medida que os protagonistas avançam, o caos e o horror se aprofundam. Não só a quantidade de zumbis fica maior (aqui, é morrer e “virar” no mesmo instante), como os vivos se tornam mais violentos e selvagens.

Nem todos os episódios são igualmente bem-sucedidos: alguns são muito originais (como o que mostra uma estranha república de crianças), outros batem em teclas já muito tocadas nesse gênero, como aquele em que cinco pessoas estão presas num diner com dois zumbis enlouquecidos rondando-os do lado de fora. Mas a série é rápida e variada o suficiente para que também os defeitos dela não se estendam demais. Eu, particularmente, gostei muito do último episódio, em que se vai de um lugar deserto e silencioso para um pandemônio indescritível. O mais curioso, talvez, é a maneira como Black Summer adere estritamente ao drama e ao terror: os eventos destes oito episódios compõem um prólogo para a trama de Z Nation, uma road-series que não demora mais do que dois ou três episódios para se decidir pelo escracho completo (leia aqui a resenha das duas primeiras temporadas; agora, a Netflix já disponibiliza até a quarta temporada). Uma coisa, porém, Black Summer ensina de forma a não deixar dúvida: quando a infecção zumbi começa, o pessoal de sapato social, salto alto e rasteirinha é o primeiro a dançar. Em caso de apocalipse, portanto, tenha à mão um par de sapatos duráveis e confortáveis, e trate de sair correndo.