Ao Cair da Noite
Um pós-apocalipse tenso e misterioso – e mais quatro sugestões sobre o fim do mundo

Qual é a natureza do mal que recaiu sobre o mundo? Paul, sua mulher e seu filho não sabem dizer, e não têm a quem perguntar. Nem querem ter: qualquer um ou qualquer coisa lá fora pode trazer para dentro de casa a peste. O sogro de Paul acaba de chegar aos últimos estágios dela; enrolados em plásticos, e usando máscaras e luvas de borracha, Paul, Sarah e Travis despedem-se dele, antes de levá-lo para uma cova na mata, matá-lo com um tiro de misericórdia e então queimar o corpo. Naquela noite, ninguém tem vontade de comer, embora a comida já esteja acabando e seja cada dia mais preciosa. E, além do luto e da escassez, há o medo. Todas as portas e janelas da casa já foram tapadas com tábuas bem pregadas. Para sair, é preciso desaferrolhar uma porta, passar por um quarto e abrir os cadeados de mais uma porta. Qualquer latido do cachorro deixa a família em pânico. Uma noite, o cão late, e Travis ouve um barulho dentro da casa: alguém mais chegou.

Misto de terror e suspense passado num mundo pós-apocalíptico no qual nunca se veem as marcas deixadas pelo apocalipse, Ao Cair da Noite é para quem gosta daquilo que se chama de slow burn – a tensão levada em fervura baixa, esticando os nervos (mas esticando-os bastante) mais do que testando-os com sustos e ação. É quieto, em certos trechos até lento, e deixa muita coisa no ar. Mas o diretor quase-novato Trey Edward Shults, um talento de primeira, se sai com um exemplar excelente de uma corrente que vem ganhando força, a dos filmes pós-apocalípticos que dispensam os efeitos especiais (eles nem poderiam pagá-los; são todos de baixíssimo orçamento) para fechar o foco em um sobrevivente, ou no máximo em um pequeno punhado deles. Aqui, a tensão emana das reações conflitantes do pai e do filho aos recém-chegados à casa: Travis (Kelvin Harrison Jr.) tem 17 anos, e anseia por contato humano; já Paul (Joel Edgerton, que assina também como produtor executivo) não baixa a guarda de jeito nenhum porque, apesar de ter sido persuadido a acolher essas novas pessoas, não consegue se livrar da intuição de que essa pode não ter sido uma boa ideia.

Como muita gente, adoro filmes de fim de mundo, seja qual for a modalidade da hecatombe – meteoro, tsunami, epidemia, terremoto, bomba atômica, mudança climática, praga bíblica. Topo rever a qualquer hora O Dia Depois de Amanhã, 2012, Contágio, Eu Sou a Lenda, Impacto Profundo, Mad Max, Guerra Mundial Z, Presságio e até o datado O Dia Seguinte, que em 1983 – um ano ultra tenso da Guerra Fria – deixou todo mundo histérico ao mostrar como seriam as consequências de um ataque nuclear. E mal vejo a hora de assistir a Tempestade – Planeta em Fúria, que estreia em outubro. Mas essa corrente de filmes enxutos e muito inovadores é um prazer diferente. Histórias como Ao Cair da Noite fazem o espectador se colocar numa outra situação: a de ter resistido e continuar resistindo, isolado num mundo estranho, sem saber até quando – sem saber, inclusive, se vale a pena, e o que o espera. É um percurso aterrorizante esse que leva tão rápido da civilização ao modo de vida mais primitivo, e às emoções mais básicas. Se essa é a sua praia, aí vão mais quatro sugestões de filmes que olham o pós-apocalipse por esse ângulo fechado, o de um ou dois ou três sobreviventes.
The Survivalist
Um sujeito há anos vive sozinho numa cabana, sempre dormindo com um olho aberto e defendendo-se de qualquer estranho que se aproxime (ele aduba a horta com os cadáveres das pessoas que matou; nada se perde num mundo como esse). Um dia, uma mulher chega à porta com sua filha jovem, e ele fraqueja e as deixa passar a noite. (Leia aqui a resenha completa)
Monsters
Um jornalista que está cobrindo a invasão alienígena que há seis anos começou a se espalhar pela Terra é incumbido de escoltar uma mulher na travessia da zona mais infectada, na América Central. O caos está sempre à volta deles, e os alienígenas são uma presença constante, mas nunca vista, neste road movie/drama/romance do inglês Gareth Williams, que depois dirigiria Godzilla e Rogue One. (Leia aqui a resenha completa)
Os Últimos na Terra (Z for Zachariah)
No alto da serra, onde Margot Robbie vive, o ar e a água escaparam da contaminação. Cansada da solidão, ela acolhe de bom grado o primeiro sobrevivente a jamais aparecer por ali, interpretado por Chiwetel Ejiofor – e, algum tempo mais tarde, acolhe um segundo recém-chegado, vivido por Chris Pine. As tensões começam a se acumular: pelo jeito, mesmo em um mundo desabitado três é demais.
A Estrada (The Road)
Prepare-se para uma deprê daquelas enquanto Viggo Mortensen, doente e cada vez mais fraco, atravessa os Estados Unidos a pé, num cinzento e perigosíssimo pós-apocalipse, tentando chegar até a costa com seu filho pequeno (Kodi Smit-McPhee). Dirigido pelo australiano John Hillcoat (do ótimo faroeste A Proposta) com base no romance premiado de Cormac McCarthy, este é de longe o mais alegórico, pesado e pessimista do pacote.
Trailer
AO CAIR DA NOITE (It Comes at Night) Estados Unidos, 2017 Direção: Trey Edward Shults Com Joel Edgerton, Christopher Abbott, Kelvin Harrison Jr., Carmen Ejogo, Riley Keough Distribuição: Diamond |