Fauda
Onde: na Netflix, todas as duas temporadas (24 episódios)
Um caso talvez único de programa bem recebido tanto entre israelenses quanto palestinos, Fauda acompanha as missões de um grupo das forças especiais de Israel na tentativa de identificar e neutralizar uma nova e muito agressiva célula terrorista. Esqueça os similares americanos com suas regras e procedimentos: o jogo aqui é íntimo e frequentemente sujo, ambas as partes levam tudo para o pessoal e ninguém sai bem na foto – a começar por Doron Kavillio (Lior Raz, também criador da série), o líder do destacamento israelense, e incluindo ainda o Mossad, a Autoridade Palestina e quem mais entre no imbróglio. No meio do fogo cruzado, uma moça que deu o maior azar: Shirin, uma médica que, por ser objeto de desejo de um extremista fanaticamente religioso e ambicioso, vira peça importante (e depois algo mais) para Doron. As missões às vezes são atrapalhadas, mas o drama corre sempre em alta voltagem e o elenco é muito bom. Lior Raz sabe do que fala: criou-se em um assentamento judeu na Cisjordânia, cresceu falando árabe em casa (seu pai nasceu no Iraque) e convivendo com árabes e foi de uma unidade antiterrorismo no Exército de Israel.
The Bletchley Circle
Onde: na Netflix, todas as duas temporadas (7 episódios)
A maravilhosa Anna Maxwell Martin é Susan, uma dona-de-casa que durante a II Guerra trabalhou com identificação de padrões em Bletchley Park, o então secretíssimo centro britânico de quebra de códigos nazistas. Agora, em 1952, Susan sente as comichões matemáticas voltarem quando ouve o noticiário sobre um serial killer: ela acha que existe um padrão nos assassinatos que torna possível prever com alguma segurança os crimes seguintes – o que permitiria capturar o assassino. Em contato com um investigador de polícia, ela reúne três velhas companheiras de Bletchley sob o disfarce de um clube do livro – e acabam todas envolvendo-se além da conta na investigação. Uma série sóbria, bem escrita, que se estrutura sobre a dinâmica entre essas quatro mulheres muito diferentes e recria não só o trabalho fascinante dos criptógrafos de Bletchley como também a Inglaterra cansada e atordoada dos anos 50.
Black Earth Rising
Onde: na Netflix, uma única temporada (8 episódios)
Kate Ashby (Michaela Coel) não sabe com que nome nasceu; o que tem agora lhe foi dado por uma advogada de direitos humanos que a socorreu do genocídio de 1994 em Ruanda, quando membros da etnia hutu torturaram e mataram, na base do facão, 800 mil membros da etnia tutsi em um mês de febre de sangue. Kate era a única criança tutsi viva em uma cena de massacre; a advogada a adotou e levou-a consigo para Londres. Mas não conseguiu livrá-la das consequências do trauma – as tentativas de suicídio, os desequilíbrios de personalidade, as crises de identidade. Agora Kate está com 20 e tantos anos. E está também lívida, porque sua mãe adotiva vai processar por crimes contra a humanidade, numa corte internacional, o general que conseguiu conter os hutu e pôr fim à chacina – mas que, desde então, virou mais um dos tantos senhores da guerra africanos e se meteu no contrabando de coltan (um minério raro sem o qual não se poderia fabricar mais um celular sequer no mundo). Por quê?, pergunta Kate, furiosa, à sua mãe e ao colaborador dela, interpretado pelo maravilhoso e inimitável John Goodman. A resposta vai demorar oito episódios para chegar, e de simples não tem nada – porque nada é simples numa região tão conflagrada quanto a África Central, um desses lugares do planeta em que não há boa notícia que demore a virar motivo de mais tragédia.
Bosch
Onde: na Amazon, cinco temporadas (51 episódios)
Se o nome Titus Welliver não diz nada a você, basta olhar para a cara dele para lembrar que você já o viu em dezenas de filmes e séries. Eterno coadjuvante, Welliver faz bonito como protagonista no papel do detetive Hyeronimus “Harry” Bosch (alguém, no orfanato em que ele foi criado, achou graça em torná-lo homônimo do pintor apocalíptico dos séculos 15 e 16), um daqueles tipos consagrados da literatura noir ambientada em Los Angeles: cínico quanto às regras e desiludido com a natureza humana, mas dono ainda de um coração tenro e terno, que anseia por justiça para as vítimas da violência e da indiferença. Assim, embora esteja sob julgamento – e com boas chances de ser condenado – por ter matado um suposto serial killer, Bosch decide não se abalar e, pelo menos enquanto não lhe cassam o distintivo, prossegue investigando um caso que ocorreu três décadas antes mas só agora veio à luz, com a descoberta acidental da ossada de um menino de 13 anos. Sereno e compassivo, mas inflexível quando acha que é o caso – e invariavelmente resistente a todo tipo de autoridade –, Bosch é um bom companheiro para o espectador: já vai pela quinta tremporada e, assim como a sua ótima trilha jazzística, nunca cansa.
Manhunt: The Unabomber
Onde: na Netflix, uma única temporada (8 episódios)
Durante dezessete anos, entre 1978 e 1995, o terrorista doméstico que ficou conhecido como Unabomber matou três pessoas e feriu outras 23, explodindo um total de dezesseis bombas em escritórios, casas e até aviões americanos – às vezes plantando-as pessoalmente, e na maior parte das vezes mandando-as pelo correio. Era bom no que fazia: à parte algumas “assinaturas” (por exemplo, grande quantidade de solda), nunca deixou um traço físico nas bombas ou nos pacotes. Foi a mais longa e mais cara busca já montada pelo FBI, e ela só deu frutos quando os agentes abandonaram seus métodos convencionais e partiram para uma estratégia nunca usada antes: analisar a linguagem muito peculiar do Unabomber. A minissérie reconstitui a investigação e mostra também como o Unabomber, um ex-prodígio da matemática que entrou na Universidade Harvard aos 16 anos, se tornou essa pessoa. Não está na categoria do Mindhunter de David Fincher (cujo estilo de filmar a série imita), mas é um roteiro bastante eficiente, conduzido com um ritmo bem dosado entre o presente e os flashbacks.
Land Girls
Onde: na Netflix, todas as três temporadas (15 episódios)
Os homens mais ou menos jovens e minimamente saudáveis foram todos para a guerra, mas o país ainda precisa comer; quem vai cultivar a terra? As mulheres, ora – razão pela qual, durante a II Guerra Mundial, a Inglaterra criou o Exército Rural Feminino, composto em grande parte de garotas da cidade que nunca haviam visto uma vaca ou um trator pessoalmente, mas foram despejadas no campo para aprender ali, na marra, com resultados discutíveis. Produzida pela BBC, Land Girls é uma dessas séries históricas inglesas com elenco da segunda divisão, mas educadas, bem feitas, cheias de pequenas subtramas com personagens divertidos – e deliciosa do começo ao fim.
Homecoming
Onde: na Amazon, uma única temporada (10 episódios)
É tudo aquilo que Black Mirror não consegue mais ser: sem que o espectador seja capaz de dizer o que, precisamente, está errado, ele sabe – ou sente – que algo não se encaixa nestes dois cenários. Em 2018, Heidi Bergman (Julia Roberts) supervisiona uma nova instalação patrocinada pelo Departamento de Defesa americano e batizada de Homecoming (“de volta ao lar”), onde veteranos traumatizados receberão preparo psicológico e profissional para retomar a vida civil. De maneira abrupta, o quadro encolhe do formato esticado para um formato fechado, as cores perdem o viço, a música vira pouco mais que um pulso insistente: está-se em 2022, e a mesma Heidi agora é garçonete num diner sebento na Flórida, onde um investigador vai procurá-la para apurar uma queixa feita quatro anos antes em nome do soldado Walter Cruz (Stephan James), que ela tratou no Homecoming. Heidi fecha a cara, tenta evadir-se, diz que não se lembra de Cruz nem de nenhum detalhe do seu trabalho lá. É óbvio que ela está escondendo algo. Mas o quê? Criada pelos novatos Micah Bloomberg e Eli Horowitz e pelo Sam Esmail de Mr. Robot – que dirige todos os dez episódios –, Homecoming é um exemplo de como ater-se à simplicidade às vezes pode ser o caminho mais curto para a inovação. Os episódios têm cerca de 25 minutos cada um, apenas. Os cenários são poucos e comuns, e não há nenhuma tentativa de torná-los estranhos ou futurísticos: o perturbador, em Homecoming, é a absoluta normalidade do que se está vendo em 2018 e em 2022 – e a inexplicável distância entre essas duas normalidades. O trio de criadores lapida obsessivamente os diálogos (soam simples, mas estão longe de sê-lo), calibra milimetricamente cada interpretação e dissimula a imensa sofisticação dos enquadramentos e do uso da trilha: a ideia é que, assim como os soldados do Homecoming, você se sinta desconfortável sem saber por quê. A peça fundamental em todo esse arranjo é Julia Roberts, em um trabalho que é de longe o seu mais limpo e interessante.
Black Summer
Onde: na Netflix, uma única temporada (8 episódios)
É nos cenários ordeiros e artificiais dos subúrbios americanos que começa Black Summer – mas, ao amanhecer, uma sirene toca e as ruas vazias de repente são tomadas por gente correndo feito doida: gente ainda viva (um estado bastante provisório), e gente morta-viva (um segmento em franca expansão) disparando com ferocidade espantosa atrás do seu café da manhã. São oito episódios de pouco mais de meia hora, e cada um deles é partido num punhado de sequências: o primeiro apresenta alguns dos personagens, como Rose, cuja filha pequena foi evacuada sozinha; Ryan, um rapaz surdo que sobrevive porque a coreana Sun decide arrastá-lo consigo; Spears, que veste uniforme militar mas na verdade é um criminoso; ou Barbara, uma senhora muito educada que consegue se atrelar a Velez, um sujeito forte e que pensa rápido. Todos querem chegar ao estádio, no centro da cidade, onde estão concentrados os sobreviventes. Para isso, eles têm que atravessar os subúrbios e então a periferia urbana – e, à progressão geográfica, corresponde uma regressão social: à medida que os protagonistas avançam, o caos e o horror se aprofundam. Não só a quantidade de zumbis fica maior, como os vivos se tornam mais violentos e selvagens. Nem todos os episódios são igualmente bem-sucedidos, mas a série é rápida e variada o suficiente para que também os defeitos dela não se estendam demais. O ponto alto é o último episódio, em que se vai de um lugar deserto e silencioso para um pandemônio indescritível.
Nobel
Onde: na Netflix, uma única temporada (8 episódios)
É uma dessas situações que rapidamente saem de controle: o destacamento das Forças Especiais norueguesas no Afeganistão tem que identificar um possível homem-bomba no movimentado mercado de rua de Cabul. Soldados circulam entre a multidão, vigias estão postados no alto de prédios e Erling Riiser (Aksel Hennie), o sniper, está seguindo todos os suspeitos potenciais com sua mira – até que encontra o alvo certo, e o abate. Mas não se trata de um homem-bomba comum e, assim que ele cai no chão, a população começa a se amotinar. Uma mulher vem correndo, Erling a segura, e aí o caos começa de verdade: ele tocou numa afegã – e na afegã errada. A partir desse incidente, a excelente Nobel volta, em oito episódios, a uma série de acontecimentos e os liga a muitos eventos mais que se seguirão. No centro de todos eles, está Erling. Na Noruega, ele é bem casado, bom pai e bom filho. No Afeganistão, como membro das Forças Especiais, participa de operações sigilosas e duvidosas e vive o terror cotidiano dos ataques de civis, dos explosivos no caminho dos comboios e da certeza frustrante de que nada que ele e os companheiros façam ali vai adiantar alguma coisa; esse é um país perdido – e, como diz à mulher, num diálogo que a deixa chocada, mata quem for preciso matar, do jeito que for necessário, e nunca pensa mais a respeito depois. A vida do Afeganistão, porém, segue Erling a Oslo de maneiras imprevistas, num angu-de-caroço daqueles. Entre os muitos méritos de Nobel, estão a clareza e o rigor com que o roteiro vai seguindo os fios do emaranhado, o ótimo desenvolvimento de personagens e a direção rica mas limpa, na melhor tradição do novo cinema escandinavo. O grande trunfo da série, porém, é mesmo o espetacular Aksel Hennie.