“Marcella”: uma detetive à beira do descontrole
Onde: na Netflix
Anna Friel é uma atriz intensa e algo ardida, e portanto perfeita para encarnar Marcella, investigadora da polícia londrina que está num momento de tumulto grave: perdeu um bebê com meses de idade, está se separando do marido (um mau-caráter do qual, no entanto, ela não desapega) e em guerra com ele pelos corações e mentes dos dois filhos – e vem ainda experimentando “apagões” de consciência. Um verdadeiro trator, que passa por cima de tudo quando pega um caso, Marcella deixou entretanto de ser confiável. Ela sabe disso mas, como está agarrada à tábua de salvação do trabalho, esconde esse fato de todos, poluindo suas investigações e sua conduta pessoal com erros desastrados de julgamento. Da primeira para a segunda temporada, aliás, a implosão da protagonista só se agrava. A questão é: o desgoverno de Marcella interfere com seus instintos ou os aguça? E seu desprezo pelos meios invalida ou não seus fins? Trabalhando ali, no fio da navalha, com as preconcepções do espectador sobre mulheres de nervos abalados, a série faz um belíssimo trabalho tanto no aspecto policial como no da discussão.
“Bosch”: um investigador muito calmo
Onde: na Amazon
Se o nome Titus Welliver não diz nada a você, basta olhar para a cara dele para lembrar que você já o viu em dezenas de filmes e séries. Eterno coadjuvante, Welliver faz bonito como protagonista no papel do detetive Hyeronimus “Harry” Bosch (alguém, no orfanato em que ele foi criado, achou graça em torná-lo homônimo do pintor apocalíptico dos séculos 15 e 16), um daqueles tipos consagrados da literatura noir ambientada em Los Angeles: cínico quanto às regras e desiludido com a natureza humana, mas dono ainda de um coração tenro e terno, que anseia por justiça para as vítimas da violência e da indiferença. Assim, embora esteja sob julgamento – e com boas chances de ser condenado – por ter matado um suposto serial killer, Bosch decide não se abalar e, pelo menos enquanto não lhe cassam o distintivo, prossegue investigando um caso que ocorreu três décadas antes mas só agora veio à luz, com a descoberta acidental da ossada de um menino de 13 anos. Sereno e compassivo, mas inflexível quando acha que é o caso – e invariavelmente resistente a todo tipo de autoridade –, Bosch é um bom companheiro para o espectador: já vai pela quarta tremporada, e a quinta já tem estreia garantida em 2019.
“River”: um policial meio doido
Onde: na Netflix
Rodando por Londres, à noite, o detetive veterano John River e sua parceira, Jackie “Stevie” Stevenson, batem papo com aquela familiaridade das pessoas que se conhecem do direito e do avesso: River é travadão, Stevie tem uma personalidade borbulhante; ela o provoca, brinca com ele, canta I Love to Love, na versão de Tina Charles, junto com o rádio; ele finge que ela está torrando sua paciência, mas está adorando a brincadeira. E, então, eles veem à sua frente um Mondeo azul que suspeita-se estar envolvido no caso que eles estão investigando. A perseguição termina de maneira trágica, com o suspeito estatelado vários andares abaixo. Outras viaturas vão chegando, a confusão se instala – e percebe-se que… Não vou estragar a surpresa, embora ela seja central a esta minissérie em seis episódios. Digo apenas que John River, sueco de nascimento e radicado na Inglaterra desde os 14 anos, provavelmente tem uma forma leve de autismo. Seus colegas estão habituados a vê-lo falando sozinho (não é estritamente verdade), mas ainda assim se fascinam com os rompantes dele. As interpretações estupendas de Stellan Skarsgard e Nicola Walker são a âncora do argumento. Outras pessoas vão interferir nesse relacionamento: o detetive recém-chegado Ira (o excelente Adeel Akthar), a chefe da divisão de River (Leslie Manville), a psicóloga (Georgina Rich) com quem River tem de cumprir uma dúzia de sessões por ter presenciado um crime violento. Mas tudo, sempre, conduz River de volta a Stevie: ela, em si, é o mistério que ele tem de resolver.
“Goliath”: um advogado que atrai problemas
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“Você bebe demais”, alguém diz a Billy McBride. “De maneira nenhuma. Bebo exatamente o necessário”, retruca ele, com aquela mistura de placidez e corrosão que ninguém leva ao ponto tão certo quanto Billy Bob Thornton. Assisto a qualquer coisa que Billy Bob faça: o sujeito é absolutamente fascinante. E esta é uma série sob medida para ele. No papel de Billy McBride, um advogado que um dia foi poderoso, mas perdeu a firma, o respeito, a dignidade e qualquer outra coisa que ainda lhe restasse para o ex-sócio (William Hurt, em um personagem tétrico da primeira temporada), Billy Bob faz aquilo que é a sua especialidade – obfusca os outros personagens e o espectador, confundindo suas expectativas enquanto persegue um caso bobo que caiu no seu colo e que, inesperadamente, pode ser a chance que ele não esperava ter de acertar as contas com as pessoas do seu passado. A segunda temporada entrou há pouco na Amazon, e nela, de novo, aquilo que começa simples vai se provando imensamente complicado: o álcool nem turva a inteligência de McBride, nem interfere com seu faro para achar problemas cabeludos. Billy e sua trupe de enjeitados – a parceira estridente e inexperiente (Nina Arianda, ótima), a secretária gordinha por quem ninguém dá nada, a assistente stripper – são, enfim, o Davi que a cada temporada tenta pegar a unha um Golias.
“Line of Duty”: os policiais que os outros policiais detestam
Onde: na Netflix
Esta estupenda série inglesa tem quatro temporadas, mas só a terceira e a quarta estão disponíveis na Netflix. Não tem problema. Como cada ano gira em torno de um caso diferente, dá para acompanhar muito bem. Na verdade, fica até melhor: você começa sem uma informação importante, e o mistério aumenta ao ponto de dar taquicardia. O excelente Martin Compston faz um jovem policial que foi transferido para a Corregedoria, a polícia da polícia, por ter se recusado a encobrir uma trapaça do seu superior. Sob a liderança do veterano Adrian Dunbar e na companhia da parceira júnior interpretada por Vicky McLure, ele se dedica a investigar casos de corrupção dentro da corporação. O mais interessante: numa polícia tão ferozmente regulamentada e vigiada como a inglesa, a corrupção por dinheiro ou ganho material é quase impossível. Mas Line of Duty lembra que o coração vive com fome; ele sempre encontra mil outros motivos para se corromper, degradar-se ou perder a bússola. Espere altíssimas doses de drama, atuações soberbas, uma visão duramente realista dos personagens – todos eles – e, na terceira temporada, uma participação ao mesmo tempo linda e terrível da grande Keeley Hawes (quem for procurar as duas primeiras temporadas por aí vai ganhar mais Keeley, e também uma tour-de-force de Thandie Newton).