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“15h17 – Trem para Paris”: uma bola fora de Clint Eastwood

Três heróis interpretam a si mesmos num filme com uma bela reflexão, mas uma execução fraca

Por Isabela Boscov Atualizado em 8 mar 2018, 20h33 - Publicado em 8 mar 2018, 19h49
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  • Lembro de um único caso em que chamar uma pessoa para interpretar a si mesma na recriação de um episódio verídico deu certo: em Voo United 93, em que é crucial o desempenho de Ben Sliney, o diretor de operações da Agência Federal de Aviação (FAA) que mandou todos os milhares de aviões que estavam voando no espaço aéreo americano em 11 de setembro de 2001 voltarem para o chão. Sliney teve de tomar essa decisão monumental na base da cara e da coragem – e, como se vê pela bravura de sua interpretação no filme, nem cara nem coragem lhe faltam (nem inteligência, energia e capacidade de articulação). Ben Sliney teve ainda outro fator altamente relevante a favor de sua atuação: a grande experiência do diretor Paul Greengrass (dos três últimos Bourne) como documentarista. Essa é uma das razões pelas quais 15h17 – Trem para Paris, o novo filme de Clint Eastwood, frequentemente causa certo constrangimento: Eastwood sempre trabalhou com atores profissionais – ótimos atores – e não tem a experiência necessária a ajudar uma pessoa comum a, diante de uma câmera, ser genuinamente quem ela é. E Spencer Stone, Alek Skarlatos e Anthony Sadler, os três americanos que, em férias na Europa em 2015, subjugaram um terrorista armado com um AK-47 e um facão num trem de Amsterdã para Paris, são em tudo rapazes comuns.

    15h17 – Trem para Paris
    (Warner/Divulgação)

    Amigos de infância, os três foram alunos mais-ou-menos, cresceram em famílias com os problemas e as virtudes de sempre, jogaram games e se fascinaram com histórias de guerra, foram queridos por suas mães e levaram bronca delas, iniciaram carreiras medianas – Stone na Força Aérea (na qual nunca conseguiu entrar nos treinamentos que almejava), Skarlatos na Guarda Nacional e Sadler na faculdade. Nada, a rigor, os distingue (nem tampouco os diminui). E essa é a essência misteriosa do que se chama heroísmo, aquele gesto instintivo, não-calculado, de colocar a vida de outros acima da própria vida num momento de perigo: o fato de ele ser um dado de caráter tão à parte de qualquer outro atributo, conquista ou mérito (assim como de qualquer defeito ou fraqueza) de um indivíduo.

    15h17 – Trem para Paris
    (Warner/Divulgação)

    Eastwood vai longe na demonstração desse argumento, começando com uma recriação bastante amadorística da infância deles, reconstituindo a viagem dos amigos naquele agosto de 2015 – as visitas a museus, as baladas, as conversas – e então reencenando os minutos confusos, tumultuados, cheios de medo, que começaram a correr a partir do momento em que o terrorista furou a faca o pescoço do primeiro passageiro que tentou detê-lo e quase o matou. Stone pulou sobre o agressor e engalfinhou-se numa luta violenta com ele; não parou nem quando o terrorista cortou-lhe várias vezes a nuca e quase decepou o dedão de uma de suas mãos. Ajudado pelos amigos (Skarlatos conseguiu tomar o AK-47 das mãos do terrorista), por um viajante francês que não quis ser identificado e por um empresário inglês, Stone foi então imediatamente cuidar do passageiro ferido, pressionando a artéria perfurada até que o trem parasse na estação e os serviços de socorro o atendessem. Só aí foi dar alguma atenção aos próprios ferimentos.

    15h17 – Trem para Paris
    (Warner/Divulgação)

    Stone era o mais sem rumo dos três amigos; ficava sempre a um passo das coisas que tentava. Nesse dia, foi a pessoa que evitou um massacre. Do trio, ele é também o único que pouco a pouco fica mais à vontade diante da câmera. Ainda assim, sua “atuação” é tímida, embaraçada pela exposição tão meticulosa de si mesmo. Pessoalmente, essa relutância e esse desconforto com a vaidade só me fazem ter ainda mais simpatia por ele. Stone, afinal, já se distinguiu da maneira mais genuína em que alguém se pode distinguir: salvou a vida de desconhecidos sem qualquer consideração para com sua própria vida. Mas, por mais encorajador que seja pensar nisso, o fato é que 15h17 – Trem para Paris não funciona – coisa rara na carreira de Eastwood. Acho que ele teria representado Stone e os seus companheiros de vagão mais apropriadamente se, como em Sniper Americano e Sully, tivesse escolhido profissionais do ofício para tomar o lugar dos heróis reais. Aliás, quase vou esquecendo: também os outros ocupantes do vagão são interpretados pelos próprios. Incluindo-se o passageiro que quase morreu e que, segundo Eastwood, foi um dos mais entusiasmados com a ideia de reviver aquele dia.

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    Trailer

    15H17 – TREM PARA PARIS
    (The 15:17 to Paris)
    Estados Unidos, 2018
    Direção: Clint Eastwood
    Com Spencer Stone, Alek Skarlatos, Anthony Sadler, Judy Greer, Jenna Fischer, P.J.Byrne, Tony Hale, Ray Corasani
    Distribuição: Warner

     

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