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Roubando a dignidade

Erros não nos definem, mas sim o modo como lidamos com eles

Por Fernando Grostein Andrade Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h41 - Publicado em 4 jun 2021, 06h00
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  • O termo ladrão parece, na prática cotidiana, reservado aos pobres. É fácil enxergar manchetes em que “traficantes são presos”, quando são pretos e pobres, versus “detidos jovens de classe média que vendiam drogas na faculdade”. A Justiça não é cega, seja nos tribunais, seja nos jornais, ou mesmo no coração de crises familiares.

    Qual seria, então, a saída moral para o Brasil: leniência ou punitivismo? O punitivismo geralmente é feroz, atalho para o linchamento moral de quem vem do andar de baixo, mas quase sempre complacente com os privilegiados, que têm dinheiro para um advogado de sapato caro. Pior, muitas vezes vem junto a injustiça disfarçada de justiça, só para atender à sanha de punição.

    Sabemos, sem hipocrisia, que a corrupção está presente nos lares, nas empresas, no Congresso Nacional. Sabemos também que qualquer que seja o presidente, independentemente do matiz ideológico, ele precisará se relacionar com a banda podre da política. Em nome da governabilidade do país e do bom andamento da economia, um falso argumento se impõe: é preciso flexibilidade.

    “Sobram alvos, balas e presídios. Faltam escolas, saúde, estrutura familiar e cultura”

    Contudo, para muito além do punitivismo da leniência, há o perdão, e, com ele, a reparação. Sim, diante de arrependimento genuíno, pode existir perdão. Tenho uma crença: não são os erros que nos definem, mas sim o modo como nos portamos diante deles. Cabe perdão, inclusive, para quem errou ao apoiar um governo evidentemente negacionista em relação à pandemia. Como sabem os grandiosos, o perdão é libertador e errar é inerente à condição humana. Mas claro, até o perdão tem limites. Não pode existir perdão para episódios históricos de genocídio, por exemplo.

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    Não percamos o fio da meada. Existe perdão para muitas coisas. A Colômbia realizou um programa de reintegração e anistia para desmobilizar guerrilheiros das Farc. Anos atrás, colaborei com agentes penitenciários para reativar um grupo de teatro formado por detentos. Escolhi ignorar o passado de ladrões, traficantes, assassinos e até sequestradores, com base na crença de que o ser humano merece uma segunda chance. Testemunhei quanto é fundamental trabalhar o lado emocional, para habilitar as pessoas a repararem a sociedade, sua vida e a de seus familiares. Não basta emprego. Muito dos detentos não voltaram ao crime e se estabeleceu uma perspectiva de esperança.

    Os PMs acusados de matar 111 detentos foram inocentados. Justiça? Não. A absolvição não é justiça e muito menos os assassinos estão perdoados e, portanto, fizeram sua reparação. Nem ao menos pediram perdão. O Brasil, acostumado a conviver com a corrupção, seja no futebol, em Brasília, ou mesmo no coração das suas famílias de elite, precisa se reinventar: sobram alvos, balas e presídios. Faltam escolas, saúde, estrutura familiar e cultura.

    Publicado em VEJA de 9 de junho de 2021, edição nº 2741

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