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Quando a ganância mata

A ideia de superioridade racial está mais viva do que nunca

Por Fernando Grostein Andrade Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 24 ago 2020, 11h03 - Publicado em 21 ago 2020, 06h00

Quero convidar o leitor a um exercício incômodo, tendo em mente o triste episódio do grandalhão de Valinhos que tentou humilhar um motoboy com uma frase criminosa: “Você tem inveja da minha cor”. Lembro também que a explosão do movimento Black Lives Matter (Vidas negras importam) foi deflagrada a partir da publicação de um vídeo de smartphone. O que teria acontecido se o sufocamento de George Floyd tivesse acontecido longe das câmeras? É sempre ruidoso evocar o nome de Adolf Hitler, mas proponho essa provocação. Se Hitler estivesse vivo, qual seria sua estratégia para concluir seu projeto? Certamente longe das câmeras das redes sociais. As imagens emocionam, arruínam os planos de quem mata ou manda matar. Seria mais fácil, portanto, sufocar de outro modo as vítimas — invariavelmente pessoas que não fazem parte do ideal supremacista heterossexual.

Os encarcerados nas Américas geralmente trazem marcas da opressão da escravidão e da colonização europeia ou são vítimas da suposta superioridade do macho branco heterossexual. Estou exagerando? Não. Escrevo isso depois de ter dedicado quase uma década da minha vida filmando penitenciárias. Nas cadeias de São Paulo, em decorrência de um acordo não explícito com as organizações criminosas, gays e transexuais são agrupados nas prisões junto com os estupradores (o isolamento a que me refiro acontece com a cumplicidade das autoridades). Somente há muito pouco tempo o crime organizado começou a aceitar a presença de alguns homens gays nas cadeias comuns.

“Se Hitler estivesse vivo, qual seria sua estratégia para concluir seu projeto? Certamente longe das câmeras das redes sociais”

A matança, que foi política de Estado hitlerista, hoje acontece de outra forma. No Brasil e nos EUA, a política assassina é declarar guerra às drogas — a pretexto de combater o crime e proteger as crianças. O efeito colateral é a matança de pretos. Os pobres, incluindo os pretos, não têm o mesmo destino dos brancos quando são presos. Seja pelo tratamento dado pela polícia, seja pelo tratamento no Poder Judiciário. Uma vez presos, são empurrados junto com seus familiares para a marginalização, ampliando as estatísticas de mortes violentas. Quem conhece um pouco das histórias das fortunas paulistanas, perto das quais cresci, sabe que por trás de muitas das casas dos bairros nobres, como o Jardim Europa, vivem “homens de bem”, ladrões de colarinho branco e seus herdeiros. Se, por hipótese, os soldados da PM entrassem em uma dessas regiões e matassem 111 cidadãos, provavelmente seriam todos punidos — inclusive porque a segurança das ruas é feita por policiais, o que em muitos países pode ser considerado um tipo de milícia. Mas os policiais entraram há 27 anos no presídio do Carandiru, mataram 111 pessoas e ninguém foi punido. Aliás, um dos responsáveis pela mortandade foi eleito com o número 111 nas urnas. Ora, quem provoca mais danos à sociedade: um pequeno traficante e assaltante ou um político sabidamente corrupto?

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A perpetuação da violência é emoldurada pela conivência das elites, de gente que evoca Deus, mas finge que “Deus não está vendo”. No Brasil e nos EUA, quem mais morreu de Covid-19 são os pobres e negros. A ganância, insidiosa, preconceituosa e cínica, mata.

Publicado em VEJA de 26 de agosto de 2020, edição nº 2701

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