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Os riscos do jeitinho brasileiro

Não podemos apagar a memória de nossa história

Por Fernando Grostein Andrade Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 4 jun 2024, 13h39 - Publicado em 2 out 2021, 08h00
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  • Precisamos nos reinventar. A cultura do jeitinho está destruindo o Brasil. Convém mergulhar na história. O atual presidente, conforme mostrou reportagem desta VEJA há mais de trinta anos, fez um plano para explodir bombas para protestar por aumento de soldo. Em vez de as Forças Armadas, sinônimo de disciplina e ordem, tomarem providências consistentes, deixaram Bolsonaro escapar sem maiores consequências. Por que esse comportamento? O nome que se dá a isso em qualquer dicionário e em qualquer língua se chama terrorismo, praticado por um terrorista. De acordo com o jornalista Luiz Maklouf, autor de um livro a respeito daquele período, aconteceu um grande acordo. Bolsonaro recebeu uma benesse, escapou da cadeia, teve de sair do Exército e deu início à carreira política. Foi um jeitinho na Justiça, feita de panos quentes e que resultou em pizza.

    Anos depois, o capitão, já congressista, deu entrevista falando que daria um golpe se virasse presidente, que mataria 30 000, fecharia o Congresso e assassinaria o então presidente, Fernando Henrique Cardoso. Qual o nome disso: ameaça de homicídio e genocídio, tentativa de golpe, psicopatia (cadê o remorso?). O que aconteceu? O então presidente da Câmara, Inocêncio Oliveira, fez alguns movimentos, advertências, gestos, falou-se em impeachment de Bolsonaro naquele momento e o que aconteceu? Nada. Apenas um jeitinho na Justiça, panos quentes, pizza.

    “Acredita quem bem quiser na madalena arrependida. Eu não”

    Ou seja, por mais de uma vez Bolsonaro vociferou sobre os planos dos seus delitos a plenos pulmões, chegou a dizer depois que estava “brincando”, e a opção da nossa cultura foi simples: acalmar os ânimos e garantir a impunidade de um militar branco. É necessária uma tremenda dose de hipocrisia ou burrice para não perceber que, se aquelas ameaças tivessem sido feitas por um negro ou por alguém com origem na periferia, o desfecho teria sido outro.

    O mais impressionante é que uma pessoa que ameaçou explodir bombas (terrorismo), matar adversários como “a petra­lha­da do Acre” (chacina) ou FHC (assas­sinato) e que diz que sonega tudo que pode (corrupção) recentemente aplicou o mesmo golpe na praça e atentou contra o STF. Se engana quem acha que Bolsonaro recuou depois do 7 de Setembro. Ele demostrou, sim, uma imensa força e capacidade de mobilização — eu estive na Avenida Paulista e pude conferir a gigantesca multidão de fanáticos e “pessoas de bem” com símbolos como caveira, Bíblias, balas e claro, a camiseta da CBF, sinônimo da luta contra a corrupção.

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    Ironias do destino, a multidão de direita ou esquerda pode odiar Lula, Dilma, FHC e Temer, mas, se não fossem os ministros por eles indicados, o Brasil teria ido por água abaixo no dia da sua independência. Aquele que defendeu terrorismo, sonegação, assassinatos também defendeu em discurso no Congresso um miliciano conhecido por ser um dos maiores matadores de aluguel do Brasil. Recordar é viver. Essa memória é fundamental para se pôr os pingos nos is. No dia 7 de setembro de 2021, apesar do esforço dos ministros do STF, mais uma vez Bolsonaro escapou com seus privilégios de olhos claros sem maiores consequências. Acredita quem bem quiser na madalena arrependida de coturnos cheios de lama, sangue e cloroquina. Eu não.

    Publicado em VEJA de 6 de outubro de 2021, edição nº 2758

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