Promotor de Justiça ao blog: Menores pegos não são “miseráveis”. Eles querem “subir na hierarquia do tráfico”
O promotor de Justiça da Infância e da Juventude no estado do Rio de Janeiro, Afonso Henrique Lemos, escreveu para este blog sobre os bandidos menores de idade apreendidos pela polícia. Reproduzo abaixo mais um trecho do seu longo e-mail, que desmascara o discurso esquerdista contra a redução da maioridade penal: “Em geral, nenhum deles é […]
O promotor de Justiça da Infância e da Juventude no estado do Rio de Janeiro, Afonso Henrique Lemos, escreveu para este blog sobre os bandidos menores de idade apreendidos pela polícia.
Reproduzo abaixo mais um trecho do seu longo e-mail, que desmascara o discurso esquerdista contra a redução da maioridade penal:
“Em geral, nenhum deles é miserável, longe disso. Todos têm acesso a escola e serviços públicos, sendo que o Município de Resende oferece diversas oficinas remuneradas com bolsa-auxílio, além de cursos profissionalizantes. Sempre esclareço ao adolescente o que lhe pode ser oferecido, perguntando ao final quais são seus sonhos e projetos de vida.
Posso afirmar que mais de 90% deles afirmam, com a maior tranquilidade, que sonham em continuar na vida do crime e ‘subir na hierarquia do tráfico’, exatamente com essas palavras. E eu, inocentemente, insisto em tentar descobrir as razões de tal desejo, no que também tenho sempre a mesma resposta:
‘Porque ganho muito dinheiro fácil, pego muitas mulheres e vou para as baladas’.
Vários deles são de classe média, alguns filhos de militares e não raro alguns largaram inclusive trabalhos oferecidos pela família, no qual eram remunerados em até dois mil reais, para ingressarem no tráfico ou praticar roubos.
Não é nenhuma novidade afirmar que todas as atividades de risco do tráfico atualmente são realizadas por adolescentes, tais como transportar, vender e até mesmo guardar em casa a droga que é comercializada. Todavia, a impunidade é tão grande que até mesmo para homicídios os adolescentes são recrutados em Resende.
No ano passado tive pelo menos três casos em que adolescentes, já participantes do tráfico e identificados com facção criminosa, foram designados para executar traficantes de facções rivais, alguns também adolescentes.
Durante as oitivas, os três afirmaram que aceitaram porque como ainda não tinham 18 anos, estava ‘tranquilo’ e que pretendiam aproveitar que ainda não eram maiores para aceitar esse tipo de serviço e assim subirem mais rápido na hierarquia do tráfico. Um deles chegou a afirmar que sabia que ficaria pouco tempo mesmo e que voltaria como ‘gerente da boca’.
Ressalto que ampliar a pena dos adultos que corrompem os adolescentes é uma medida necessária, porém de pouco efeito prático. Isto porque o adolescente dificilmente é apreendido juntamente com o adulto e a prova de que ele foi corrompido por determinada pessoa é muito difícil de se obter no curso da instrução do processo.
Como se não bastasse, os roubos com o emprego de arma de fogo a estabelecimentos comerciais, em que as vítimas são torturadas psicologicamente por adolescentes, que apertam revólveres engatilhados contra suas cabeças e as agridem com coronhadas, vêm se tornando cada vez mais comuns em Resende, em plena luz do dia, sendo que os adolescentes autores de tais atos infracionais justificam tais atos não só pelo dinheiro e celulares que obtêm, mas também pela adrenalina e emoção gerada pela situação de risco a que voluntariamente se submetem.
Um desses roubos ocorreu no início do ano e um dos dois adolescentes apreendidos, durante a oitiva informal, ao ouvir de mim que ele ficaria um bom tempo internado, respondeu que não tinha problema nenhum, já que provavelmente seria transferido para uma unidade do Rio de Janeiro, uma vez que o centro socioeducativo de Volta Redonda estava lotado e na Capital ele já sabia que os adolescentes são liberados em poucos meses, muito mais rápido até do que em Volta Redonda.
E ainda complementou dizendo que assim que retornasse voltaria a roubar do mesmo jeito, tal como já faz há muito tempo.
Na última semana de maio, quando saía do fórum, já à noite, ouvi alguém me chamando: “Dr. Afonso! Dr. Afonso!” Olhei para o outro lado da calçada e avistei exatamente esse adolescente, que caminhou até a minha direção sorrindo.
‘Dr. Afonso, não disse que saía rapidinho? Já estou na pista de novo!’
Virou as costas e partiu, sorrindo de forma claramente debochada. Esse episódio foi o ápice da desmoralização da Justiça e do Poder Público e mostra a necessidade emergencial de mudança da legislação.
Também posso citar aqui meu diálogo com um adolescente apreendido no final do ano passado por tráfico. Por curiosidade, perguntei até que ponto o fato dele ser adolescente e não sofrer sanções mais pesadas influencia na avaliação do risco a que ele se expõe de ser apreendido por tráfico, mesmo tendo o a possibilidade de estudar e trabalhar como aprendiz de forma remunerada.
Em resumo, ele respondeu o seguinte:
‘Claro que eu penso nisso. Primeiro que poucos são os meninos traficantes que acabam sendo apreendidos. Então até ser apreendido eu já ganhei muito dinheiro. Segundo que quando um menino é apreendido muitas vezes ele nem sequer é internado. E quando é internado, a medida não chega quase nunca a seis meses. Aí é só voltar a traficar e continuar a ganhar dinheiro. Não vou trabalhar igual ao meu pai e acordar às quatro horas da manhã todos os dias para ganhar um salário mínimo. Não sou otário. Consigo ganhar em média R$ 250,00 por dia traficando aqui em Resende, sendo que na Capital o valor é ainda maior’.
Ou seja, a falta de sanção influencia diretamente no envolvimento do adolescente com atividades ilícitas geradora de ganhos altos e fáceis. Olha que tento de tudo, buscando evitar internações acordando com o adolescente uma série de compromissos para amenizar a medida socioeducativa a lhe ser imposta no final do processo, tais como: ler e resumir um livro, retornar à escola e frequentar todas as aulas, frequentar dispositivo de saúde mental para tratamento de drogadição.
Infelizmente, praticamente nenhum deles cumpre o acordado e acabam optando por continuar a traficar e a roubar, mesmo sabendo que no final do processo serão internados pelo descumprimento dos compromissos, já que aparentemente para eles a internação, nos moldes atuais, não serve de fator inibidor para que larguem a vida ilícita e aceitem os encaminhamentos propostos.”
(Outro trecho do e-mail – AQUI.)
Felipe Moura Brasil ⎯ https://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil