O presidente dos Estados Unidos, Barack Hussein Obama, não compareceu à Marcha de Paris após o ataque de terroristas islâmicos ao jornal satírico Charlie Hebdo e outros atos de terror que resultaram na morte de 17 pessoas, mas encurtará sua viagem à Índia para ir à Arábia Saudita prestar condolências pela morte do rei Abdullah bin Abdul Aziz, cuja visão, segundo Obama, “foi dedicada à educação de seu povo e em prol de maior envolvimento com o mundo”.
Para um presidente que disse anos antes dos ataques “O futuro não pertence àqueles que insultam o Islã” e semanas depois “É por isso que continuamos a rejeitar os estereótipos ofensivos de muçulmanos”, ambas as escolhas são bastante representativas de seus valores.
A Arábia Saudita de Abdullah é uma ditadura onde o blogueiro Raif Badawi, de 31 anos, casado e pai de três filhos, foi condenado a 10 anos de prisão e 1.000 chicotadas por “insulto ao islamismo”, que é como os aliados de Obama (também) chamam críticas ao Islã. Esta é a “educação” que o rei dedicou a seu povo no país que financia escolas islâmicas extremistas.
Curiosamente, as primeiras 50 chicotadas foram dadas em um açoitamento público na mesma sexta-feira (9) em que quatro judeus foram executados em uma mercearia hebraica de Paris por Amedi Coulibaly, e Badawi receberá mais 50 a cada sexta até chegar às mil.
Na sexta 16, no entanto, a Anistia Internacional informou que a rodada de chicotadas seria adiada para a semana seguinte porque um médico determinou que o blogueiro “não seria capaz de suportá-la” ainda, em virtude dos ferimentos da primeira semana. “A ideia de que ele seja autorizado a se recuperar para que depois sofra de novo e de novo essa cruel punição é macabra e ultrajante”, disse Said Boumedouha, diretor para o Oriente Médio da Anistia.
Eis um exemplo de “insulto” de Badawi em seu blog, extinto desde a sua prisão em 2012:
“O que me dói mais como um cidadão da área que exportou esses terroristas… é a audácia dos muçulmanos em Nova York que atinge os limites da insolência, não levando em conta qualquer das milhares de vítimas que morreram naquele dia fatídico [11 de setembro] ou suas famílias. O que aumenta a minha dor é esta arrogância (islâmica) machista que afirma que o sangue inocente, derramado por mentes bárbaras e brutais sob o slogan ‘Allahu Akbar’, não significa nada em comparação com o ato de construir uma mesquita islâmica cuja missão será a de… desovar novos terroristas… Suponha que nós nos coloquemos no lugar de cidadãos americanos.
Será que vamos aceitar que um cristão ou judeu nos agrida na nossa própria casa e, em seguida, construa uma igreja ou sinagoga na mesma área do ataque? Eu duvido. Nós rejeitamos a construção de igrejas na Arábia Saudita, sem termos sido agredidos por ninguém. Então, o que você pensaria se aqueles que queriam construir uma igreja fossem as mesmas pessoas que invadiram a santidade da nossa terra? Finalmente, não devemos esconder o fato de que os muçulmanos na Arábia Saudita não só desrespeitam as crenças dos outros, mas também o acusam de infidelidade, na medida em que consideram quem não é muçulmano um infiel, e, dentro de suas próprias definições estreitas, eles consideram muçulmanos não-Hanbali [a escola saudita do Islã] como apóstatas. Como podemos ser esse tipo de gente e construir… relações normais com 6 bilhões de seres humanos, dos quais 4,5 bilhões não acreditam no Islã?”
Com 4,5 bilhões, eu não sei, mas com Obama é moleza. Para seu governo, quem mata críticos do Islã é apenas radical, nunca islâmico, de modo que quem deixa prender e chicotear já vira um “homem de visão e sabedoria”, “um reverenciado líder”, “um parceiro corajoso na luta contra o extremismo violento”, nas palavras do secretário de Estado, John Kerry, sobre o rei Abdullah.
Obama deve deixar a Índia na terça-feira de manhã com destino à Arábia Saudita. Deveria ficar até sexta para tirar uma selfie no açoitamento público de Badawi.
* Veja também aqui no blog:
– Dilma contra “pessimistas”, Obama contra “cínicos” – e a realidade contra ambos
– Coerência na Marcha de Paris: Obama ausente, Netanyahu presente. A desculpa esfarrapada de Kerry para o primeiro e o pedido embaraçoso de Hollande ao segundo
– Casa Branca reconheceu erro? Uma ova!
Felipe Moura Brasil – https://www.veja.com/felipemourabrasil
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