A CBF “aceitou o pedido de demissão de Felipão” – no caso, uma maneira menos vexaminosa de ser demitido – e ele finalmente vai cumprir a “pena” que deveria ter cumprido após os desastres no Chelsea e no Palmeiras, como escrevi na ocasião de sua contratação:
Mas, com ou sem Felipão, a mentalidade futebolística no Brasil continua anos-luz atrasada.
Um dos sintomas desse atraso é o apego à posição, em detrimento da qualidade do jogador. Futebol – seja pelada, seja Copa do Mundo – se joga com os melhores jogadores, não necessariamente os melhores por posição. Não é porque alguém costuma jogar em determinada posição que joga melhor nela do que alguém que não costuma jogar ali.
Os europeus sabem disso. O holandês Dirk Kuyt, atacante de origem, já foi adaptado a quase todas as funções, tendo atuado até como lateral-esquerdo contra o México, na vitória por 2 a 1 pelas oitavas de final. Se o goleiro fosse ruim, o treinador Van Gaal teria colocado ele no gol também. Até o reserva alemão Mario Götze, que entrou no segundo tempo da final contra a Argentina no lugar de Klose e fez o gol do título na prorrogação, é tido pelo técnico Joachim Löw como “o menino maravilha”, porque “consegue jogar em qualquer posição”. “Ele sempre foi muito importante para nós e hoje foi de novo”, disse Löw após a merecida conquista.
Na minha radiografia do futebol brasileiro à luz do Barcelona de Guardiola, na qual antecipei em 2011 as “palmadas em domicílio” que a seleção brasileira levaria em 2014, eu havia escrito:
“Hoje é inconcebível no Brasil um jogador completo, capaz de dominar, tocar, lançar, driblar, marcar e, portanto, assumir outras posições durante o jogo, preenchendo os espaços deixados por seus companheiros. A característica proeminente de cada um, fator determinante de sua respectiva especialidade, tornou-se o requisito único (mesmo que falso) para o exercício da mesma, [o que acaba] mutilando talentos, isolando jogadores e impossibilitando atuações conjuntas consistentes. Os esquemas mirabolantes dos nossos ‘professores’ são apenas a tentativa pomposa de contornar as deficiências que eles mesmos criaram, com o reforço da imprensa nacional e da CBF de Ricardo Teixeira.”
Assim como não forma jogadores completos mas supostos especialistas não raro tidos como craques por conta de qualidades técnicas muito específicas e ineficientes contra times de alto nível, o Brasil tampouco adapta seus melhores jogadores (por piores que sejam comparados aos da seleção alemã liderada pelo craque Schweinsteiger) às posições carentes de qualidade.
Felipão deixou Fred no ataque por seis jogos da Copa e, mesmo tendo colocado Jô em alguns sem que o resultado melhorasse, escalou este último para a derrota por 3 a 0 para a Holanda (sem Sneijder) na disputa pelo terceiro lugar. Que os dois são limitados, era evidente, e eu havia pedido várias vezes que Hulk, muito mais encorpado e voluntarioso, ainda que impreciso, fosse utilizado como pivô, de preferência recebendo bola do negligenciado Willian, o único que acerta passes na seleção brasileira. Mas para fazer algo assim um treinador tem de reconhecer que os atacantes que ele mesmo convocou talvez sejam piores do que jogadores de outra posição adaptados ali e que sua seleção não é capaz de fazer a bola chegar dentro da área, de modo que precisa de alguém que saiba minimamente jogar fora dela, inclusive para marcar a saída de bola. Claro que é demais esperar tal coisa de mentes tão inflexíveis e teimosas como as de Felipão e Parreira. Que dirá a adaptação de um meio-campo à lateral, posição – especialmente a esquerda – em que o Brasil há anos só tem avenidas, como a recém-inaugurada Maxwell.
Não é mais dinheiro que vai resolver a decadência qualitativa do nosso esporte número 1, mas sim uma mudança de mentalidade que faça com que a parte não seja mais confundida com o todo, muito menos exaltada em detrimento dele. O culto à especialidade é um entrave cultural que faz com que o futebol no Brasil seja como a universidade: um formador de representantes de cada departamento, impedidos de transitar por áres distintas por falta de diploma.
II.
Praticamente tudo que o craque alemão Paul Breitner avisou em abril de 2013 no programa Bola da Vez da ESPN, dizendo que “o futebol brasileiro dorme desde 2002″, que “precisam aceitar que estão jogando um futebol do passado”, está nos meus textos de 2010/11 a respeito, que apenas deram forma definitiva ao que eu já comentava antes. Com a tremenda mudança ocorrida no esporte a partir da década de 1990, Breitner admitiu que os alemães de início pensavam como os brasileiros pensam atualmente (ou até a semana passada): “Nós somos os melhores, não precisamos prestar atenção a ninguém.” A diferença é que, apesar das derrotas, eles não esperaram um vexame tão grande para aprender com os outros e, inspirando-se justamente no Barcelona de Guardiola, começar a mudar os métodos de treinamento nas categorias de base, enfatizando igualmente habilidade técnica e condição física, em vez de 30% e 70%, como era na Alemanha. O resultado está aí, nesta geração campeã do mundo que ainda vai nos dar muito trabalho em 2018 e 2022, se o Brasil se classificar. Mas sabe como é: os nossos jornalistas acha(va)m chato o “tique-taque” espanhol… Aqui ninguém quis aprender nada, nem mesmo após o Santos ser massacrado pelo Barça, quando então escrevi “O Brasil à luz do Barcelona“.
E depois – imagine – o arrogante sou eu…
[youtube https://www.youtube.com/watch?v=IiNGocG7ib4?feature=oembed&w=500&h=281%5D
III.
Mas, falando nisso, ok: quero meu Prêmio Nobel também.
Veja os artigos:
Mario Vargas Llosa:
– “A máscara do gigante”
FMB:
– “Não sou pessimista. O PT é que é péssimo para o Brasil”
– Por que o Lulinha não volta ao zoológico no vídeo do PT?
– Não, Galvão, não é “uma partida para ser esquecida”
Felipe Moura Brasil – https://www.veja.com/felipemourabrasil
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