‘Uma Garota de Muita Sorte’ da Netflix: uma indigesta história real
Filme com Mila Kunis transforma em thriller experiência de autora e roteirista

A escritora Jessica Knoll demorou anos para usar o termo correto para definir o que ela sofrera no colégio: estupro. Estudante de um prestigioso colégio particular nos Estados Unidos, Jessica foi vítima de um estupro coletivo numa festa entre colegas — mas foi desacreditada. O trauma a levou a escrever o livro Uma Garota de Muita Sorte, adaptado pela Netflix em um filme que já é o mais visto da plataforma em dois dias no ar. Na trama, protagonizada por Mila Kunis, Ani é uma jornalista em ascensão que, na adolescência, foi abusada por três colegas da escola – evento que se conecta a outra tragédia: um tiroteio em massa.
O livro de mesmo nome, publicado em 2015 – editado no Brasil pela Rocco – é, assim como o filme, um suspense com cores de vingança, que observa o passado de Ani atrelado à pessoa que ela se tornou: uma mulher ambiciosa, ácida e sempre pronta a passar por cima dos obstáculos ao redor. Mesmo após a publicação do livro, Jessica Knoll levou um ano para admitir que a história não se tratava inteiramente de uma ficção. “Eu tinha medo de que as pessoas lessem e concordassem com o que pensaram sobre mim na escola, que nenhum abuso havia ocorrido e que eu tinha participado de forma consensual do ocorrido”, disse ela em entrevista.
A adição de um tiroteio em massa na escola foi, para Jessica, uma forma de enxergar seu trauma de fato como uma tragédia. Roteirista da trama, ela conta que, ao assistir a cena em que a adolescente é violentada, finalmente, não conseguiu mais relativizar sua experiência. “Eu normalizei o que aconteceu comigo para poder continuar vivendo. Até notar que não dava para racionalizar isso. Eu não preciso minimizar o que aconteceu. Pois foi realmente algo ruim”, disse a autora.