Truman Capote, 100: o gênio da escrita que fez do cinema seu playground
No centenário do autor, relembre a relação dele com Hollywood, de adaptações como 'Bonequinha de Luxo' até a transformação do próprio escritor em personagem
Há 100 anos, no dia 30 de setembro de 1924, nascia na cidade de New Orleans Truman Streckfus Persons — nome que, mais tarde, seria vertido em Truman Capote. Figura incontornável da literatura e expoente do chamado new journalism, Capote teve uma infância atribulada que nada apontava para um futuro de sucesso. Criado por parentes, viveu de casa em casa de familiares em cidades sulistas dos Estados Unidos até voltar ao convívio da mãe e de seu padrasto (de quem adotou o sobrenome famoso) em Nova York, aos 8 anos de idade. As dificuldades da primeira infância foram aplacadas pela literatura: o garoto aprendeu sozinho a ler e a escrever aos 5 anos e, aos 11, já se considerava um escritor, passando cerca de três horas por dia no quarto criando histórias. Não à toa foi um prodígio da área e logo conquistou espaço na high society nova-iorquina que desprezava suas origens, mas se encantou por sua genialidade. Dessa incursão na classe AA nasceu a personagem Holly Golightly, da novela Breakfast at Tiffany’s (1958), título traduzido no Brasil como Bonequinha de Luxo. A jovem ambiciosa, eternizada na pele de Audrey Hepburn, que buscava relações com pessoas endinheiradas fez de Capote um queridinho no cinema. Aquele foi só o início da longa relação entre o autor/jornalista e Hollywood: de fonte de material para dezenas de adaptações, e co-roteirista de outras tantas tramas, o próprio acabaria se tornando personagem a ser explorado por filmes e séries de TV.
Capote, o “pai” do true crime
O olhar afiado de Capote para as idiossincrasias humanas resultou no livro A Sangue Frio (1965), um precursor do true crime, gênero que dramatiza crimes reais. O autor investigou a chacina de uma família de quatro pessoas em uma área rural americana, em 15 de novembro de 1959 — evento que ganhou pouquíssima repercussão nos grandes veículos de imprensa da época. Capote viajou até o local e entrevistou a comunidade local, acompanhou a investigação, até a prisão e condenação de dois suspeitos do assassinato. O livro foi o último finalizado pelo autor e se tornou ainda sua obra-prima. A trama foi adaptada em um filme aclamado de 1967 e numa minissérie para a TV em 1996.
De fonte de adaptações ao protagonismo
A figura de Truman Capote parecia moldada para o cinema — e o cinema percebeu, claro. Inteligente, de origem humilde mas com pose de nobre, e voz anasalada, o autor foi interpretado com maestria por Philip Seymour Hoffman no filme Capote, de 2005. A trama biográfica acompanha em detalhes a pesquisa para o livro A Sangue Frio e a empatia causada pelos assassinos no autor, que também veio de um lar quebrado. A alma perturbada do jornalista foi ainda sua ruína, causando sua morte por overdose aos 60 anos de idade, em 1984. Este ano, uma nova produção se infiltrou nos bastidores da agitada vida do escritor: a minissérie de Ryan Murphy Feud: Capote vs. The Swans retrata o período em que Capote foi de queridinho a persona non grata na alta-sociedade nova-iorquina. Se na literatura Capote foi um gênio de obra enxuta, no cinema e na TV ele deitou e rolou (e ainda faz barulho), como uma criança em um playground.