Em divulgação do filme Ainda Estou Aqui no Brasil, Fernanda Torres está tirando uma pausa das viagens internacionais que têm movido seu cotidiano desde o Festival de Veneza de 2024, mas não deixa de ser lembrada fora do país. Na noite desta quarta-feira, 23 de outubro, em cerimônia especial do Critics Choice Awards voltada a profissionais latino-americanos, a filha de Fernanda Montenegro recebeu o prêmio honorário de atuação por filme estrangeiro e agradeceu à distância, por meio de vídeo enviado aos organizadores. Confira o discurso na íntegra:
Primeiramente, gostaria muito de estar com todos esta noite, mas infelizmente a vida não é justa. Tenho que lançar Ainda Estou Aqui no Brasil, então, daqui de minha terra natal, agradeço profundamente a associação Critics Choice pelo prêmio. Para mim, ele é confirmação que sou parte da cultura latina, uma cultura que me moldou de Gabriel García Márquez a Borges, de Iñárritu a Ricardo Darín, de Carmen Miranda a Frida Kahlo. A cultura latina é um gerador de beleza, pensamento e reinvenção e nós, brasileiros, às vezes nos sentimos como primos distantes por não falarmos o espanhol. Sendo assim, esse prêmio é uma espécie de confirmação que pertenço a este grupo maravilhoso.
Venho de uma família circense. Assim como minha mãe, meu pai era também ator, produtor teatral e diretor, também chamado Fernando. Por tremenda falta de imaginação, eles me chamaram de Fernanda, e não pude escapar. Me tornei atriz e, então, escritora. Cresci nas coxias dos teatros, os vendo no palco. Me lembro do medo que eles tinham durante a Ditadura Militar, por conta da censura, da ideia de que tudo poderia ser banido antes de uma estreia. Eles recebiam ameaças de bomba e de tiro. Era estranho, terrível, mas nunca foram torturados ou mortos como o pai da família que representamos no filme.
A luta de Eunice Paiva — essa mulher fantástica que tive a honra de interpretar — é a mesma que foi imposta sobre meus pais, sobre toda a geração que exigiu e testemunhou o retorno da democracia no Brasil, uma democracia que hoje está novamente sob ataque. É inacreditável. Penso, então, que Ainda Estou Aqui não é um filme sobre o passado. É uma trama, estranha e tristemente, sobre os dias de hoje. Um reflexo do risco de normalizar a violência por meio da validação de regimes autoritários.
A dignidade, a elegância, a perseverança e a discrição de Eunice nos guiaram ao longo do projeto. Me sinto uma atriz diferente desde que a interpretei. Sou muito grata à família Paiva pela confiança que colocaram sobre nós. Sou grata a todo o time e a todos os atores e, claro, sou profundamente grata a Walter Salles, meu amigo, meu diretor e meu parceiro, que me deu a oportunidade de viver esta mulher incrível que merece ser conhecida como o símbolo de humanidade e civilidade que é. Por fim, claro, agradeço à associação pelo prêmio maravilhoso.
Celebração Anual do Cinema e da Televisão Latino-americanos
Além de Fernanda Torres, a lista de premiados inclui a americana Zoe Saldaña, o uruguaio Fede Alvarez e o chileno Pablo Larraín, entre outros. Esta é a quarta edição do evento, pensado para destacar a atividade da comunidade latina dentro e fora dos Estados Unidos.
A trama de Ainda Estou Aqui
Inspirado na história real de Rubens Paiva (Selton Mello), o filme acompanha sua família a partir do começo dos anos 1970, quando a ditadura militar no Brasil vivia seus anos de chumbo. Político opositor do regime, ele chegou a se exilar na Iugoslávia na década anterior, mas retornou ao Brasil para viver ao lado da esposa e dos cinco filhos. Foi capturado por militares em janeiro de 1971, torturado e morto. Só 40 anos depois, com a Comissão de Verdade, teve sua morte oficialmente investigada e confirmada. Neste meio-tempo, sua esposa, Eunice (Fernanda Torres), travou a própria busca pela verdade, equilibrando os papéis de ativista, advogada e mãe solo. Em 2015, um dos filhos do casal, Marcelo Rubens Paiva, publicou o livro de mesmo nome que é base do filme.
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