Irônico, o advogado russo Alexei Navalny começa a entrevista para um documentário refutando a pergunta do diretor. “E se você morrer, qual sua mensagem para o povo russo?”. Navalny responde: “Não, não vamos fazer esse tipo de filme. Vamos fazer um thriller investigativo. E, se eu morrer, aí depois você faz um filme chato sobre minha vida”. A conversa absurda tem os dois pés na realidade. Principal opositor de Vladimir Putin, presidente da Rússia desde 1999 – com um intervalo entre 2008 e 2012 –, Navalny sobreviveu a um envenenamento e, recuperado na Alemanha, planejava naquele momento voltar ao seu país natal, onde a possibilidade de uma nova tentativa de assassinato era patente.
A conversa abre o documentário Navalny, indicado ao Oscar da categoria, e disponível na plataforma HBO Max. Seguindo a sugestão do político, o diretor canadense Daniel Roher transforma o filme em um thriller investigativo – recorte que não demanda muito esforço narrativo: os últimos anos da vida de Navalny surpreendem o roteiro mais mirabolante de Hollywood.
Liderando um movimento anti-Putin, focado nos escândalos de corrupção do atual governo, Navalny se tornou uma pedra no sapato do presidente, ou melhor, ditador, capaz de furar o bloqueio de uma mídia controlada pelo governo — e provocar protestos populares pelo país. Enquanto sua popularidade crescia entre os russos, maiores eram os ataques dos aliados de Putin ao advogado. O filme acompanha essa disputa, faz perguntas difíceis e contundentes ao político (como sua participação em uma marcha de extrema-direita), e se demora no caso do envenenamento.
Em 2020, em um voo da Sibéria para Moscou, Navalny passou mal e foi atendido após um pouso de emergência. Dias depois, transferido para a Alemanha, constatou-se que ele fora envenenado pela substância Novichok, agente letal que atinge o sistema nervoso, fabricado exclusivamente pela Rússia. Sem a esperança de uma investigação oficial do país de Putin — e certo do envolvimento do Kremlin no atentado — um jornalista especializado em dados deu início a uma análise independente, pontapé da trama que embala o documentário.
Conforme Navalny toma os noticiários mundiais, a ideia de um novo atentado contra ele se torna mais difícil: a pressão internacional cairia sobre a Rússia. Porém, enquanto o documentário se desenrola, difícil esquecer da guerra do país contra a Ucrânia, embate que já dura quase um ano, com milhares de vítimas – e do qual Putin não parece que vai sair derrotado. Como esperar, então, um desfecho feliz para Navalny, preso assim que colocou os pés na Rússia novamente? Uma dúvida cruel escancarada pelo filme — o qual, agora no Oscar, mancha ainda mais a já imunda reputação do presidente russo.