Advogada ultracompetente, Audrey (Ashley Park) almeja ser promovida a sócia do escritório onde trabalha. Seu chefe — caucasiano, vale dizer — vê a oportunidade perfeita para a funcionária de ascendência asiática provar seu valor: ele a manda para a China para fechar negócio com um empresário local que preza pela tradição oriental, como o apego à família e à cultura — mesmo que ela saiba zero palavra em mandarim. Para além das críticas ácidas à ignorância americana sobre outros países, a comédia Loucas em Apuros (Joy Ride, Estados Unidos, 2023), em cartaz nos cinemas, se sustenta em um humor perspicaz e altamente democrático em seus alvos: o filme não poupa nem os costumes do próprio Oriente.
Na viagem de negócios à China, Audrey escala a melhor amiga, Lolo (Sherry Cola), para socorrê-la na tradução do mandarim para o inglês. Ambas são as únicas orientais da cidade onde moram. Mas, enquanto Lolo teve pais rígidos e virou uma jovem liberta sexualmente, oposta à imagem de “comportada e tímida” que asiáticas costumam ter, Audrey foi adotada bebê na China por pais americanos brancos e se deixou levar pelo novo país, sendo workaholic e fã de artistas pop como Taylor Swift. Na viagem catártica à China, juntam-se às duas as carismáticas Kat (Stephanie Hsu), amiga de faculdade de Audrey que virou atriz na Ásia, e a peculiar prima de Lolo, Olho de Peixe Morto (Sabrina Wu). A viagem a trabalho logo se desdobra em confusões bizarras que incluem uso de drogas, orgias com astros de basquete e reuniões de famílias exóticas.
Produzido por Seth Rogen e com roteiro de Adele Lim (de Podres de Ricos), o filme integra uma safra recente de Hollywood que dá mais espaço a orientais, como o drama Minari (2020) e a série de comédia dramática da Netflix Treta, lançada com sucesso este ano. Além de ser a primeira comédia estrelada totalmente por atrizes asiáticas, Loucas em Apuros também funciona como uma excelente vitrine das novas estrelas femininas que vão sendo forjadas nesse universo. Além da presença notória de Stephanie Hsu, indicada ao Oscar de atriz coadjuvante este ano por Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo, não se deve menosprezar o carisma sempre eficaz de Ashley Park.
A personagem de Park no filme, aliás, resume os dilemas das imigrantes orientais nos Estados Unidos. Audrey julga-se sem identidade própria: não é vista como americana por sua aparência, nem pode ser considerada asiática de fato, já que não entende absolutamente nada da cultura, da língua e até de sua mãe biológica. O jeito é rir de si mesma — e nos divertir.
Publicado em VEJA de 2 de agosto de 2023, edição nº 2852
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