Em um condomínio de casas de classe média, Vicente (Reynaldo Gianecchini) e Eva (Grazi Massafera) vivem uma vida aparentemente perfeita ao lado das filhas gêmeas (interpretadas por Luiza Antunes e Juliana Bim) e do bebê recém-nascido, Lucas. Quando Eva é acusada de agredir as crianças, o lar intocável começa a ruir aos poucos, com a matriarca sendo alvo do escrutínio de vizinhos quando vídeos gravados dentro de casa começam a vazar na internet. Criado por Raphael Montes, mesmo autor de Bom Dia, Verônica, o enredo de Uma Família Feliz coloca em xeque a típica família margarina que tem vários problemas escondidos entre quatro paredes. Em entrevista a VEJA, Gianecchini fala do longa — dirigido por José Eduardo Belmonte — que chega aos cinemas nesta quinta-feira, 4.
Confira a entrevista:
Uma Família Feliz é um suspense que mostra um caso de abuso acontecendo dentro de casa, e Eva, a mãe, é suspeita de maus-tratos, mas também aborda outras questões, como machismo e maternidade. Como foi trabalhar com este gênero pouco produzido no Brasil? O Brasil não faz muito cinema deste gênero, de fato, é uma indústria mais focada em fazer comédias românticas ou de temática social importante, como tráfico de drogas nas favelas, a cultura, a nossa dificuldade social, mas eu sempre senti falta de uma história simples, como uma família que tem seus problemas e focado no thriller/suspense. O que é mais interessante nesse filme é que tem todos os elementos de um bom suspense, cria uma aura angustiante, de tensão, que te deixa apreensivo. E também traz questões importantes, como o machismo, as dificuldades do puerpério da mulher, a falsidade do mundo perfeito, a romantização da maternidade. Não é uma narrativa criada só para impressionar, discute muito esse mundo de aparências que vivemos.
Seu personagem no filme, o Vicente, é o pai de uma família que só parece perfeita. Como enxerga a paternidade depois desse processo? Eu não tenho filhos, mas pude ter uma percepção maior de como é difícil educar crianças hoje em dia, além de fazer as tarefas de casa. São coisas complexas, porque a sua criação vai determinar que tipo de pessoa esse filho vai se tornar. É uma responsabilidade imensa. Tive uma troca muito grande com a Grazi, que é uma mãe maravilhosa na vida real, enquanto eu mesmo não tinha nem a noção de como era segurar um bebê.
Um dos pontos do filme mostra como as redes sociais são capazes de destruir vidas. Você foi alvo de rumores sobre sua vida pessoal desde o início da carreira. Como vê essa abordagem e o papel da internet na sociedade? Foi interessante ver no filme porque é uma realidade hoje em dia. Vivemos nessa era de cancelamento, que qualquer deslize vira um grande julgamento e as pessoas querem eliminar você. E é cruel porque nem todo mundo tem razão sobre determinado assunto. As pessoas sofrem, eu mesmo já sofri muito com fake news, já saíram várias mentiras a meu respeito. Sempre tem julgamento das pessoas, que adoram falar mal de outras com opiniões que servem apenas para diminuir o outro. A sociedade está doente com as redes sociais, tentam depreciar tudo que veem. E é um reflexo de como as pessoas estão machucadas e sem saber como lidar com situações, por isso eu faço um exercício diário para manter meu equilíbrio emocional e minha sanidade, porque é só um passo para se desequilibrar e ter um surto.
Como você mantém sua sanidade? Eu faço análise e medito. Sou um cara que presto muita atenção em mim, faço muita autocrítica, penso nas minhas escolhas e gosto muito de me analisar. E também tenho uma família que me puxa para o centro, para o chão. Me ajudam muito nisso.
Em breve você estreia o espetáculo Priscilla, a Rainha do Deserto – O Musical, em que interpretará uma drag queen. O que tem sido determinante na sua escolha de papéis atualmente? Eu estou em um momento da minha vida em que as minhas escolhas têm a ver com o que eu quero experimentar, desenvolver e aprender. Eu quero ter prazer no trabalho, sair da minha zona de conforto. Eu passei 20 anos fazendo muitas novelas na Globo — fazendo teatro desde sempre também, claro — foi um período importante que eu adorei, mas depois que encerrou meu contrato e eu saí de lá, ganhei uma liberdade gigante para fazer outras coisas, testar outras narrativas e contar novas histórias com personagens que não me davam chance de interpretar. Não estou reclamando dos papéis que me deram em novelas, mas agora eu escolho projetos pensando no processo que eu vou enfrentar. Uma Família Feliz foi rápido e intenso, o diretor tinha um método incrível, muito cuidado nas cena, pude interpretar um pai, coisa que não sou, mas consegui fazer o bebê dormir durante as gravações e isso até me fez chorar no set, me emocionou. Já em Priscilla eu vou fazer uma drag queen, uma coisa impensável antes. E eu vou aprender muito porque quero exaltar essa arte drag, que é muito rica, repleta de pessoas talentosas. Quero representá-las muito bem.
O que faz diferença durante seu processo de construção de personagens tão distintos? Eu gosto muito de de diretor que me dirige mesmo. Muitos dirigem só a parte técnica e confia nos atores. Já eu não gosto que confiem em mim, e acho que o processo ganha uma outra dimensão quando sou guiado. Bom Dia Verônica é um exemplo disso, fui muito bem conduzido pelo José Henrique Fonseca. E para Priscilla, bem, eu sou fã de RuPaul’s Drag Race, comecei a ver na pandemia e já assisti todas as dezesseis temporadas.
Por que acha que o thriller é tão atrativo ao público? Acredito que seja porque é movido por sensações, eu sempre acho do cinema, principalmente. O público quer entrar em uma sala de cinema e viver fortes emoções. E acho que os suspenses inteligentes não subestimam o público também. Eu gosto de uma história bem contada e bem conduzida.