Com humor ‘tosco’, mas crítico, Rebel Wilson conquistou Hollywood
A australiana que ficou conhecida por 'A Escolha Perfeita' protagoniza 'De Volta ao Baile', sucesso recente da Netflix

Depois do ensino médio, uma jovem passa um ano como embaixadora do Rotary em países africanos. No Moçambique, contrai malária e tem uma alucinação na qual vislumbra a si mesma ganhando um Oscar. Não teve dúvidas: se tornaria atriz. Este poderia ser facilmente o roteiro de um filme de humor peculiar estrelado pela australiana Rebel Wilson – mas é a história real da atriz e comediante de 42 anos. Em Hollywood desde 2011, Rebel lançou recentemente o longa-metragem De Volta ao Baile com a Netflix, um clichê que satiriza os millennials e a geração Z e o que há de mais ridículo em cada uma. Desde sua estreia, o filme está em posição de destaque no ranking de filmes mais assistidos na plataforma, globalmente. Mais do que resultado de uma receita para produções ligadas à adolescência, o sucesso confirma a posição de Rebel como figura bem-quista da comédia americana.
Antes de alçar voo para outro continente, Rebel estudou direito na Universidade de Nova Gales do Sul e teatro na companhia Australian Theatre For Young People. Chegou a trabalhar na televisão australiana, escrevendo seus próprios papéis, e no circuito stand-up. Mudou-se para Los Angeles em 2009 e, dois anos depois, conseguiu seu primeiro papel em uma produção de alto escalão. A personagem Brynn, de Missão Madrinha de Casamento, foi escrita especialmente para a atriz, quando os produtores notaram um talento raro que não podia ser descartado. Mas foi com a personagem Amy Gorda em A Escolha Perfeita – trilogia que acompanha o grupo musical universitário à capella Barden Bella – que Rebel viu seu nome se consolidar na indústria.
De lá para cá, colecionou papéis em produções de grande cacife do besteirol, como Quatro Amigas e um Casamento, de 2012; e brilhou ao lado de celebridades como Sacha Baron Cohen em Irmão de Espião (2016) e Anne Hathaway em As Trapaceiras (2019). Em 2019, chegou perto do sonhado Oscar ao atuar na sátira indicada ao prêmio Jojo Rabbit. Mas foi com o início de sua parceria com a Netflix no mesmo ano que ela mostrou a que veio. Com Megarromântico, filme ao lado do galã conterrâneo Liam Hemsworth, Rebel ironizou a indústria que a deixava de escanteio por sua aparência em romances bocós.

A representatividade da mulher gorda e as piadas sem pudores sobre a sexualidade feminina, acompanhadas de uma expressão facial impassível, são marcas do trabalho da atriz. Com seu estilo de humor peculiar, desconcertante e sem filtros, Rebel é crítica dos valores e padrões de beleza e comportamento geralmente vangloriados por Hollywood. As piadas com seu próprio peso que empresta às personagens, apontadas por alguns como um “desserviço”, são calculadas. Desde o início da carreira, decidiu usar a fisicalidade enquanto recurso da comédia a seu favor. “Se você reivindicar uma palavra pejorativa, ela não vai mais ser ofensiva para você. Há poder nisso”, disse ao The Guardian em 2015, sobre sua reapropriação da palavra gorda. À Cosmopolitan americana, chegou a dizer que seu tipo de corpo permitiu que se destacasse como uma figura única e diferente em uma indústria de corpos padronizados.
Nos últimos anos, entretanto, se viu em uma posição de refém da própria aparência. A atriz passou por um processo de emagrecimento e de mudança para um estilo de vida mais saudável, e revelou que seus empresários tentaram impedi-la. “Eles ficaram tipo, ‘Por quê? Por que você quer fazer isso?’ Porque eu estava ganhando milhões de dólares sendo a garota gorda engraçada”, contou à BBC britânica.

A determinação em manter o controle narrativo de sua vida e imagem levaram Rebel a abrir e vencer, em 2017, um processo contra o conglomerado Bauer Media por difamação. A empresa é responsável pelas revistas Woman’s Day e Australian Women’s Weekly, que publicaram uma série de artigos em 2015 que teriam prejudicado sua carreira. O conteúdo pintava a australiana como uma mentirosa sobre seu nome real, sua idade e seu passado. Muito do que teve de ser provado por Rebel no tribunal está ligado a uma infância de detalhes excêntricos. A mãe da atriz, por exemplo, tinha certa predileção por nomes diferentes e chamou a filha de Rebel inspirada em uma criança que cantou em seu casamento. Mas, pela pressão dos familiares, optou por registrá-la com um nome “normal”, Melanie Elizabeth Bownds. Em 2002, a atriz mudou seu nome legalmente, adicionando Rebel no início.
Nos subúrbios australianos, seus pais eram criadores de beagles e participavam de shows de cães ao redor do país. Irmã mais velha de duas meninas e um menino, foi uma criança extremamente tímida com vocação para o lado acadêmico. Já no início da adolescência, não muito diferente de sua personagem em De Volta ao Baile, Rebel decidiu que queria fazer amigos e se tornar popular – entrou para o time de basquete, virou representante dos estudantes e até desenvolveu a ambição de se tornar presidente. Obrigada pela mãe a ir às aulas de teatro, pegou gosto pela atuação, e apesar de ter desenvolvido um senso de humor como maneira de se destacar na escola, foi apenas anos mais tarde que descobriu a aptidão para a comédia e decidiu especializar-se. Deu certo: hoje, Rebel Wilson é figurinha carimbada do humor feminino desinibido e não passa despercebida no concorrido território hollywoodiano.