Barbie banida: o primeiro – e polêmico – filme estrelado pela boneca
Na década de 1980, o cineasta Todd Haynes usou versões genéricas da loira para contar a história sombria de uma estrela pop com distúrbios alimentares
Se hoje Barbie arrasta multidões para as salas de cinema ao redor do mundo, na década de 1980 a boneca estrelou um afiado filme alternativo, mas que rapidamente saiu de circulação. Na época, o cineasta americano Todd Haynes — hoje celebrado por trabalhos como Longe do Paraíso (2002) e Carol (2015) — utilizou Barbies genéricas como personagens de seu polêmico Superstar: The Karen Carpenter Story (1988), curta-metragem sobre a estrela Karen Carpenter, que junto de seu irmão, Richard, integrou o duo de sucesso Carpenters. Karen morreu em 1983, aos 32 anos, em consequência de uma anorexia nervosa, quando pouco se falava sobre a doença.
Para dar vida à turbulenta história, Haynes encenou dramatizações com Barbies em uma versão falsa, não a original comercializada pela Mattel — afinal, a marca de brinquedos infantis jamais permitiria veicular a imagem da boneca a uma trama tão espinhosa. O diretor ainda fez cortes na silhueta de plástico da representante de Karen para demonstrar o agravamento de seu distúrbio alimentar, e complementou o curta com imagens de arquivo da cantora. Superstar retrata o lar dos Carpenter como uma espécie de prisão psicológica para Karen, e, por isso, irritou a família — sobretudo Richard, por insinuar que ele era secretamente homossexual. Por meio de um processo judicial, o espólio da cantora conseguiu banir o filme de circulação, alegando uso abundante e não licenciado de suas canções, mas versões piratas da produção podem ser encontradas na internet — daí o sucesso tardio do filme, considerado por cinéfilos e fãs como uma obra cult, inovadora e até visionária.
Há semelhança entre a produção oitentista e o atual blockbuster cor-de-rosa de Greta Gerwig. Enquanto transita pela histórica trágica de Karen, Haynes tece críticas irônicas à objetificação feminina, sobretudo das celebridades, e o quanto a fama pode destruí-las. Questões acerca de autoimagem e pressão estética em uma sociedade de consumo justificam, ainda, porque Haynes usou sósias da Barbie para sua criação: a boneca, como se sabe, é rodeada de controvérsias sobre estereótipos e padrões de beleza inalcançáveis. O longa de Gerwig, por sua vez, está muito consciente das polêmicas da protagonista loiríssima, e constrói uma autocrítica bastante sagaz.