NOS ANOS 80, Arnold Schwarzenegger se afirmava na pele (e nos músculos) de astro do cinema de ação. Como todo bom herói, ele tinha sua nêmesis: o rival brucutu Sylvester Stallone. A competição acirrada, curiosamente, servia de ferramenta motivacional. “Eu precisava de um inimigo”, admite Schwarzenegger, que via o colega como um similar a ser superado. A briga entre o Exterminador do Futuro e o Rambo, porém, revelava-se desigual. “Ele era superior. Eu dizia: ‘Arnold, se você lutasse contra um dragão, voltaria só com um Band-Aid’ ”, relembra Stallone em entrevista à série documental Arnold, que acaba de chegar à Netflix.
Schwarzenegger parecia indestrutível — mas não era bem assim. Agora, aos 75 anos, o ator, fisiculturista e ex-governador da Califórnia revisa de forma simbólica sua biografia: não esconde o desejo de engrossar o time dos machos sensíveis — aqueles que trocam os traços “tóxicos” da masculinidade por pautas que antes lhe soavam estranhas. Assumir os erros do passado é um desses passos. No documentário, Schwarzenegger confessa, finalmente, que errou feio ao apalpar mulheres em sets de filmagens no passado. “Não é correto hoje, e não era correto há quarenta anos. Sinto muito”, declara. Ainda que assimile discussões feministas e sobre identidade de gênero, ele não deixa de lado pequenos prazeres do macho original: ama puxar ferro, tem um tanque de guerra em casa e vive com um charuto na boca — sua marca registrada. O ator, que gosta de se manter constantemente atualizado, demonstra orgulho em buscar esse delicado equilíbrio — e diz isso enquanto acaricia seus cães fofinhos (ele hoje também é paizão de uma simpática jumenta).
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Ao se adaptar aos novos tempos, seu passe — que já era alto — se valorizou. Nova aquisição de luxo da Netflix, ele chegou de forma explosiva à plataforma com Fubar, seu primeiro protagonista em série de TV. Na trama, Schwarzenegger dá vida a um agente da CIA que está prestes a se aposentar. Mas, ao finalizar uma missão, descobre que sua filha (vivida por Monica Barbaro) é também uma agente secreta. O programa somou 89 milhões de horas assistidas em sua primeira semana no ar. O elenco diverso ao redor do brutamontes é um ingrediente saboroso: vai da neta que adota um nome de gênero neutro até um melhor amigo negro descolado e uma colega lésbica falastrona.
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Fubar é apenas um aperitivo para o Schwarzenegger renovado que a série documental revela. O programa mergulha na vida do astro, passando por altos e baixos que ele não gosta de relembrar. No primeiro episódio, batizado de Corpo, o então jovem Arnold descobre no fisiculturismo a rota de fuga do vilarejo onde cresceu, na Áustria — e do pai abusivo. Parte conhecida da história do ator, seu pai lutou ao lado do Exército nazista na II Guerra. Ao fim do conflito, passou três dias soterrado em escombros antes de voltar derrotado para casa, carregando consigo traumas e uma ideologia pútrida. Dono de um discurso motivacional, Schwarzenegger repele sentimentalismos ao olhar seu passado: para ele, a infância dolorosa foi combustível para chegar aonde chegou.
Os lances de vulnerabilidade se revelam aos poucos. Depois de muito se gabar de seu corpo esculpido, ele admite que era inseguro e, quando estava sozinho diante do espelho, achava que tinha um “corpo de m****”. O jeito durão e de emoções contidas, que lhe custou muitas críticas negativas em Hollywood, seria na verdade um mecanismo de defesa em relação ao passado: para sobreviver, aprendeu a enterrar todo tipo de tristeza e negatividade ao seu redor. Descobriu que agia desse modo nas aulas de teatro, mas não se permitiu uma abertura emocional maior. Por sorte, encontrou espaço em filmes nos quais a falta de expressão era um trunfo, como O Exterminador do Futuro, seu grande sucesso de crítica e público. A vida na política encerra a produção, ressaltando a personalidade versátil do republicano capaz de dialogar sem pudor com os liberais. O macho em reconstrução aprendeu a rebolar.
Publicado em VEJA de 14 de Junho de 2023, edição nº 2845
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