Os números divulgados pela imprensa sugerem que pouco mais de 2,5 milhões de pessoas participaram das provas do ENEM de 2020, realizadas nos últimos fins de semana. Isso representa cerca de 50% dos inscritos. Sem dúvida a pandemia deve ter contribuído para o recorde de abstenção deste ano. Mas há lições a aprender? Parece-me que sim.
Comecemos pelos números. A cada ano pouco mais de 2 milhões de jovens concluem o ensino médio – não sabemos quantos concluíram em 2020. Se houvesse um mínimo de racionalidade no ENEM, apenas uma parcela desses 2 milhões de jovens deveria participar anualmente do exame.
Quando comparamos, por exemplo, o resultado do grupo de participantes do ENEM em anos anteriores versus os participantes pela primeira vez notamos que (a) no agregado, a média dos participantes antigos não se altera no segundo ano e (b) a média dos participantes do ano não é muito diferente da média dos que estão repetindo.
Cabe perguntar: para que fazer exames repetidos? Em todos os países que usam algum tipo de seleção para a universidade valem os resultados do primeiro exame – e isso tem sérias implicações do ponto de vista de equidade intergeracional.
Possivelmente estamos diante de mais um desperdício, sem qualquer vantagem, exceto para o pequeno grupo dos que se beneficiam de um ano adicional de estudos. Quem ganha? Quem perde? E quem paga a conta?
Segunda reflexão. Precisamos do ENEM? Se precisamos, há formas mais adequadas de fazer o exame? A redação, por exemplo, acrescenta informação ao que já se sabe das outras notas? Influi positivamente no ensino da redação no ensino médio?
A provável resposta à primeira questão é positiva – existem inúmeras formas mais eficientes de realizar um exame como o ENEM. E a resposta correta à segunda questão é negativa – a nota da redação não acrescenta informação aos dados fornecidos pelas outras notas, e sua influência no ensino médio, se existe, é maléfica, pois transforma o ensino da redação num treino para a resolução dos problemas da humanidade. Este assunto já foi objeto de análise crítica de Hanna Arendt em seu magistral ensaio The crisis in education.
Há outras reflexões a fazer, na contramão das conclusões fáceis e precipitadas. Que a pandemia nos ajude a nos tornar menos reativos e mais reflexivos, e a rever com rigor os fundamentos de nossas práticas. Se queremos efetivamente melhorar a educação, é preciso substituir as reações emocionais e epidérmicas pelo pensamento rigoroso.