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Pedofilia, incesto: filme de Egon Schiele acerta nos temas mais polêmicos

‘Morte e Donzela’, longa do austríaco Dieter Berner, mostra, ainda que de modo delicado, como o pintor se envolveu em controvérsias ao longo da vida

Por Maria Carolina Maia Materia seguir SEGUIR Materia seguir SEGUINDO Atualizado em 26 jul 2018, 08h37 - Publicado em 26 jul 2018, 08h37
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  • Para alguns críticos, Egon Schiele – Morte e Donzela, filme do austríaco Dieter Berner em cartaz desde a semana passada no país, apresenta uma versão suavizada da trajetória de um dos artistas mais provocativos da Viena no início do século XX. A vida de Egon Schiele (1890-1918) é feita de episódios tão controvertidos quanto a sua obra, que, inspirada no trabalho do contemporâneo Gustav Klimt (1862-1918), deixava de lado os padrões acadêmicos – Schiele, como mostra o filme logo no início, foi expulso do curso de belas artes por não se adequar às suas convenções e ditames. A sutileza de Berner, no entanto, não ignora as polêmicas protagonizadas pelo pintor. O cineasta recorreu a uma extensa pesquisa — que incluiu quatro livros, diversos ensaios e a consultoria de um museu de arte – para embasar as passagens apresentadas no longa. E as mais, digamos, complexas são as que mais se aproximam da realidade. Confira:

     

    Suspeita de incesto 

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    Noah Saavedra e Maresi Riegner são Egon e a irmã Gerti, no filme ‘Morte e Donzela’ (//Divulgação)

    Quatro anos mais velho que Gerti Schiele, Egon tomou a irmã como principal – e predileta – companhia na infância. Ainda pequenos, costumavam se trancar em um dos cômodos da casa para jogos sexuais secretos, como contou a irmã mais velha, Melanie, em entrevista à pesquisadora Alessandra Comini. Mais tarde, Egon viajou com Gerti, então com 12 anos de idade, para a cidade austríaca de Trieste, onde alugaram um quarto em um hotel e assinaram como o casal Egon e Gerti Schiele – ela própria conta o episódio na entrevista à professora Comini. “Isso poderia ser visto como prova de um relacionamento sexual com Gerti, que Egon não permitiu que se casasse com seu amigo Anton Peschka, mesmo quando já estava grávida, como mostra o filme. Ela teve que esperar até a maioridade, que então se alcançava aos 21 anos, para oficializar a relação com Anton”, diz o diretor, Dieter Berner. O longa também mostra como Schiele usava a irmã mais nova como modelo para nus, que compradores de arte consideravam “eróticos”.

     

    Relação com modelos

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    Egon Schiele (Noah Saavedra) com a dançarina e modelo Moa Mandu (Larissa Breidbach): amizade colorida (//Divulgação)

    Como era comum entre muitos pintores e suas musas, Egon Schiele se relacionou com diversas delas, incluindo a dançarina Moa Mandu (Larissa Breidbach), que teria um relacionamento mais sério com um amigo de Schiele, o ator e mímico Erwin Osen. Ícone da cultura vienense na virada do século XIX para o XX, Moa foi tema de várias obras do pintor, como a que leva seu nome, hoje no museu Leopold, instituição que colaborou com a produção do filme ao longo de todo o projeto. “Isso foi importante para o uso das pinturas, aquarelas e desenhos de Schiele. Podíamos copiar as obras e fazer testes, filmando essas reproduções em vez dos originais para saber se passavam pelas próprias obras. Além disso, tivemos a possibilidade de ver toda a coleção dos blocos de rascunho usados por Schiele. E contamos com a colaboração de uma jovem artista, Maria Grün, que imitou os esboços em desenhos que entraram no filme”, conta Dieter Berner.

     

    ‘Morte e Donzela’

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    Schiele e a modelo e namorada Wally Neuzil (Valerie Pachner), na cena em que ele cria a obra-título do filme (//Divulgação)
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    A modelo Walburga Neuzil, a Wally, que Egon Schiele teria conhecido na casa do amigo Gustav Klimt, viria não apenas a posar para o artista, mas também a se juntar a ele em sua casa, como companheira. Schiele acabaria por se casar com outra – uma moça de família, como se dizia –, mas permaneceria emocionalmente ligado a Wally. Ao saber de sua morte na Primeira Guerra Mundial, onde serviu como enfermeira, alterou a mão, no catálogo de sua primeira exposição em Viena, o título da obra Homem e Donzela, em que havia posado com ela, para Morte e Donzela, como está no filme. “Wally morreu em 25 de dezembro de 1917 em um hospital de guerra em Sinj, na Dalmácia. Nós não sabemos exatamente quando Schiele recebeu a notícia da morte. Mas ele de fato mudou o título de sua famosa pintura no catálogo de sua primeira grande mostra na Secessão de Viena, em março de 1918”, afirma Dieter Berner. “O pequeno pedaço de papel que, no filme, é mostrado na mão da sua irmã, Gerti, é uma cópia da mensagem original do Exército que se encontra na coleção de Österreichisches Staatsarchiv. Eu e a escritora Hilde Berger, que pesquisou a vida de Schiele por dois anos para escrever o romance Egon Schiele – Death and Maiden e é coautora do roteiro, tivemos acesso ao papel. A mensagem da morte de Wally, por exemplo, era um formulário do Exército.”

     

    Processo por pedofilia

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    Schiele foi acusado de abusar de uma adolescente e teve de responder na justiça. Aqui, Dieter Berner dirige cena no tribunal (//Divulgação)

    Quando se mudou para o campo, onde passaria a se dedicar à pintura em período integral, Egon Schiele passou a receber visitas de crianças em casa, quando aproveitava para, como disse em sua defesa no tribunal, desenhá-las. Uma delas, porém, o acusou de conduta sexual imprópria. O arquivo do processo foi queimado durante a Segunda Guerra Mundial, mas dois documentos permitiram a Dieter Berner e Hilde Berger reconstituir o julgamento em que o pintor foi inocentado: uma reportagem do jornalista Johann Zunzer e um comentário do juiz que revisou o caso. “A cena em que o advogado de defesa apresenta um documento dizendo que a ‘virgindade de Tatjana’ estava ‘intacta’ é embasada em vários relatórios e em uma carta do amigo Reininghaus a Schiele. A queima, no tribunal, do desenho da menina feito por Schiele, considerada pornográfica, está no texto de Johann Zunzer”, diz o diretor.

                                                  

    Vida com Wally Neuzil 

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    Casa afastada da cidade, onde Schiele passou a se dedicar integralmente à pintura e a viver com Wally (//Divulgação)
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    No filme, enquanto moram juntos, Egon Chiele e Wally Neuzil compartilham o sonho de se mudar para a Dalmácia, depois de ver a foto de uma bela casa sobre uma colina, uma paisagem idílica na página de uma revista. Se esse sonho de fato existiu, é difícil afirmar, até porque, segundo Dieter Berner, Egon nunca teve um projeto sério de vida com Wally. “Casar-se com Wally Neuzil nunca foi um plano real. No Fin de Siècle, um casamento com uma modelo não era socialmente aceitável, embora os homens burgueses tivessem muitas vezes um caso secreto com as chamadas “süßes Mädel” (doce menina)”, diz Berner. Mas ele queria, sim, deixar Viena. “Qualquer outro lugar parecia mais atraente para ele. Em uma carta ao pintor e amigo Anton Peschka, ele menciona que planeja se mudar para a Dalmácia, porque a vida seria lá mais fácil, o clima mais quente e o custo de vida, menor.”

     

    Casamento por interesse 

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    Wally experimenta um chapéu na loja de Adele Harms (Elisabeth Umlauft), futura cunhada de Egon Schiele (//Divulgação)

    No filme, embora diga que não está apaixonada e não pensa em se casar, Wally, que brinca de se mudar para a Dalmácia com Egon Schiele, fica arrasada quando descobre que ele pretende se casar com uma das irmãs Harms, meninas de uma família que ele acredita abastada. Entre Adele (Elisabeth Umlauft) e Edith Harms (Marie Jung), Schiele escolhe Edith, que morreria pouco antes dele, na Primeira Guerra Mundial, vítima de gripe espanhola. É uma traição a Wally, e por interesses financeiros. “As pesquisas permitem supor que ele esperava curar seus problemas financeiros através da relação com uma família burguesa, como a de Edith. Mas ele estava errado, a família não era tão rica quanto ele pensava.”

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